São Paulo, segunda-feira, 06 de agosto de 2007

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TRAGÉDIA EM CONGONHAS/INFRA-ESTRUTURA

Só Cumbica tem pacote total de segurança

Entre os principais aeroportos do país, o de Guarulhos (SP) é o único com todos os equipamentos, segundo a Aeronáutica

Mesmo contando com todos os equipamentos, Cumbica não está em condições ideais; pista principal passará por reforma

IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Entre os 17 aeroportos de maior movimento no país, apenas o de Cumbica (Guarulhos) possui o "pacote completo" de segurança e auxílio aos pilotos em suas duas pistas, segundo documento da Aeronáutica a que a Folha teve acesso.
O relatório, que orienta pilotos sobre todos os aeroportos brasileiros, descreve a falta de equipamentos básicos -alguns deles já considerados obsoletos em outros países-, obstáculos como postes e antenas, presença de urubus e balões juninos durante quatro meses do ano.
"Com relação a equipamentos de segurança, como o ILS [que permite o pouso por instrumentos], os piores aeroportos do exterior são melhores do que os melhores aeroportos do Brasil", diz Anderson Ribeiro Correia, presidente da SBTA (Sociedade Brasileira de Pesquisas em Transporte Aéreo) e professor do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica).
Embora tenha todos equipamentos do "pacote", Cumbica também não está em condições perfeitas de uso, tanto que a pista principal começará a ser reformada nesta semana. A pista tem mais de 20 anos, está com rachaduras e remendos. "Ela não é confiável", disse na semana passada o brigadeiro José Carlos Pereira, então presidente da Infraero.
Ao analisar o relatório da Aeronáutica, a Folha deteve-se apenas nos aeroportos que receberam mais de um milhão de passageiros por ano, o que resultou em 17 unidades no país, uma pequena parte dos 738 aeródromos em funcionamento hoje segundo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).

Recado aos pilotos
Destes 17 aeroportos, apenas Florianópolis não tem observações de segurança aos pilotos. Por outro lado, o aeroporto da capital catarinense não dispõe de ILS em sua pista auxiliar, impedindo pousos por instrumentos na eventualidade de interdição da pista principal.
"Até poucos anos atrás, me indispunha com a Aeronáutica pois sou favorável à banalização do ILS. Pelo menos as capitais deveriam ter", diz o ex-presidente da Infraero (estatal que administra aeroportos) Adyr da Silva, atual presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico.
Se há consenso entre especialistas sobre a necessidade de "banalizar" o ILS, o mesmo não ocorre no governo.
A Aeronáutica informou que instala os equipamentos segundo a necessidade apontada pelo operador dos aeroportos. A Infraero avalia que cabe à Aeronáutica comprar os equipamentos. A assessoria de imprensa da Anac não respondeu.
Outro item que eleva a segurança dos aeroportos também não é disseminado no país. A aplicação do grooving, ou ranhuras, só está presente em sete dos 17 principais aeroportos.
A ausência das ranhuras na pista principal pode ter contribuído para a derrapagem de uma avião da Pantanal na véspera do acidente do Airbus-A320 da TAM, no mês passado em Congonhas, e ainda é alvo da investigação aeronáutica sobre a maior tragédia da aviação brasileira.
A falta de segurança e precariedade das instalações aeroportuárias começou a ganhar destaque no início do ano passado, quando um Boeing da BRA derrapou na pista de Congonhas.
Depois disso, as tragédias do vôo 1907 da Gol, com 154 mortes, e do vôo 3054 da TAM, com perda de 199 vidas, elevaram ainda mais a importância da fiscalização do tema.

Perigos
Em reação aos problemas, o Conac (Conselho Nacional de Aviação Civil) decidiu na semana passada transferir vôos de Congonhas para Guarulhos e transformar Brasília em um centro de distribuição de passageiros que viajam do sudeste para as regiões norte e centro-oeste do país.
A Aeronáutica orienta os pilotos sobre o pouso em Brasília pedindo cuidado com um trecho escorregadio de 700 metros na pista. Terceiro aeroporto mais movimentado do país, também não possui ILS em sua segunda pista.
"Quando molhada torna-se escorregadia dos 300 metros aos 1000 metros a partir da cabeceira", diz o texto do documento da Aeronáutica sobre a pista de Brasília.
Outro problema freqüente, presente em 11 dos 17 principais aeroportos do país, são os pássaros -especialmente urubus. "Observação: concentração de pássaros urubus em todos os setores", diz um trecho do documento da Aeronáutica sobre o aeroporto de Vitória, no Espírito Santo.
Depois de atingir o recorde de 500 colisões em 2005, o Brasil registrou 486 notificações oficiais de batidas de aeronaves com pássaros no ano passado. Neste ano, um piloto ficou cego de um olho após seu avião atingir uma ave.
Os choques se devem à proximidade de focos de atração dos pássaros, que podem variar de detritos do próprio aeroporto a lixões, matadouros, açougues, entre outros.
As normas em vigor impedem a instalação destes estabelecimentos em uma área de 20 quilômetros em torno do aeroporto, mas o adensamento populacional tem tornado essa regra de difícil aplicação prática.
"À medida que for entranhando na cultura urbana essa necessidade de proteger aeroportos os urubus vão desaparecer", aposta Silva.

Interior
De acordo com o presidente da Abetar (Associação Brasileira das Empresas de Transporte Aéreo Regionais), Apostole Lack, a situação nos aeroportos do país menos movimentados seria ainda mais precária e delicada, pois as soluções demorariam mais.
"O povo brasileiro precisa deixar de ser tolerante e cobrar seus direitos. Na maioria das vezes, há lixão perto do aeroporto, tem pista no Brasil com cerca no final, onde de vez em quando passa vaca, passa boi."
Segundo especialistas, os aeroportos de Tefé (AM) e Montes Claros (MG) são exemplos de grandes concentrações de urubus no país. Na Amazônia, há um lixão próximo à cabeceira da pista. Em Minas Gerais, um parque próximo ao aeroporto é foco de aves e pássaros.

Responsabilidade
Para Adyr Silva, o problema é de responsabilidade municipal. Procurada pela reportagem, a CNM (Confederação Nacional dos Municípios) não se pronunciou sobre o tema.
O documento alerta ainda para a presença de torres de alta tensão e antenas no "caminho" de aproximação das aeronaves para os aeroportos.
"É caro ser perfeito, custa muito. Mas não imaginamos a perfeição do dia para a noite, precisamos é começar a tomar providências", disse Lack.


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