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[!] Foco
"Doca Street usa livro para lucrar à custa de minha mãe"
Filha de Ângela Diniz protesta contra "Mea Culpa", obra lançada pelo assassino da mãe
Cristiana Vilas Boas rompe silêncio de 30 anos: "Quando é que ele se cansará de assassiná-la e a reputação dela?"
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Cristiana Vilas Boas, 42, cansou de ser apontada nas ruas de
Belo Horizonte como a filha
"daquela drogada", "daquela
prostituta" -foi assim que algumas das famílias mais tradicionais de Minas Gerais passaram a chamar a socialite Ângela
Diniz, assassinada com cinco
tiros na cabeça no dia 30 de dezembro de 1976 pelo namorado
paulista, o playboy Doca Street.
Agora, quando ele lança o livro "Mea Culpa", com sua versão sobre o crime, Cristiana
quebra um silêncio de 30 anos
para defender a mãe: "Esse homem é um canalha. Ele está
querendo ganhar dinheiro à
custa da minha mãe. Meu Deus,
quando é que ele se cansará de
assassiná-la e a reputação
dela?"
O desabafo de Cristiana lembra a frase dita ainda em 1979,
ano do primeiro julgamento de
Doca Street, pelo poeta Carlos
Drummond de Andrade (1902-1987): "Aquela moça continua
sendo assassinada todos os dias
e de diferentes maneiras".
Drummond referia-se à estratégia da defesa de Doca Street,
que mostrava Ângela Diniz como uma "femme fatale", "vênus lasciva" movida a cocaína e
álcool e que, depois de forçá-lo
a abandonar família e amigos,
quis desonrá-lo.
"Se quiser me dividir com homens e mulheres, pode ficar,
seu corno." Segundo Doca (não
há testemunhas), essas foram
as últimas palavras de Ângela,
antes de ele descarregar a pistola contra ela. O argumento da
"legítima defesa da honra" convenceu os jurados, e Doca saiu
livre do julgamento.
Em 1981, foi julgado novamente e, dessa vez, condenado
a 15 anos, dos quais cumpriu
três em regime fechado, dois no
semi-aberto e dez em liberdade
condicional.
"Mentiras"
"É aterrorizante o cinismo
desse homem. Ele foi à televisão dizendo que pede perdão à
nossa família. Tinha, sim, que
pedir perdão por todas as mentiras que contou", diz Cristiana,
que tinha 12 anos quando perdeu a mãe.
Poucos dias antes do crime,
Ângela e Doca, então morando
em Búzios, no Rio de Janeiro,
foram para Minas passar o Natal com a família dela. Cristiana
lembra-se de Doca: "Ele era um
homem bonito, fama de playboy, mas tinha alguma coisa errada. Ele não largava dela um
minuto sequer. Minha mãe não
pôde conversar a sós com minha avó, com minha tia ou com
os seus filhos. Até ao banheiro
ele ia junto".
"Esse homem fala no livro
que Ângela usava drogas de manhã, de tarde e de noite. Se usava, era ele quem incentivava.
Em Minas, de onde saíra havia
pouco tempo, ela nem bebia",
afirma a filha. No livro, Doca
Street admite que, em duas
ocasiões, Ângela quis parar de
cheirar cocaína. Foi ele que não
quis. À Folha, Doca disse: "O
problema dela era o álcool, a
cocaína até a ajudava a se recompor."
A família de Ângela Diniz foi
marcada pela tragédia. "Para
nós, a morte de mamãe foi
avassaladora", diz Cristiana. O
filho caçula de Ângela, Luiz Felipe, morreu aos 21 anos em um
acidente de carro. O mais velho, Milton Vilas, 43, sofreu um
acidente de motocicleta em
1982. Teve traumatismo craniano e hoje locomove-se com
dificuldade. O primeiro marido
de Ângela, Milton Vilas Boas,
morreu em 1980, em um acidente de avião.
Maria Diniz, avó de Cristiana
e mãe de Ângela, parou de trabalhar depois do assassinato da
filha -ela era costureira do
high society mineiro-, "tornou-se uma pessoa amarga que
vivia para cuidar do meu irmão
Milton". Morreu neste ano.
"É incrível que minha mãe
continue a ser condenada até
hoje", diz Cristiana. "Ela era
uma mulher de vanguarda. Ela
fazia o que bem entendia. Apesar de toda a dor que passamos,
eu tenho o maior orgulho de
ser filha de Ângela Diniz."
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