São Paulo, quarta-feira, 06 de setembro de 2006

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[!] Foco

"Doca Street usa livro para lucrar à custa de minha mãe"

Filha de Ângela Diniz protesta contra "Mea Culpa", obra lançada pelo assassino da mãe

Cristiana Vilas Boas rompe silêncio de 30 anos: "Quando é que ele se cansará de assassiná-la e a reputação dela?"

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Cristiana Vilas Boas, 42, cansou de ser apontada nas ruas de Belo Horizonte como a filha "daquela drogada", "daquela prostituta" -foi assim que algumas das famílias mais tradicionais de Minas Gerais passaram a chamar a socialite Ângela Diniz, assassinada com cinco tiros na cabeça no dia 30 de dezembro de 1976 pelo namorado paulista, o playboy Doca Street.
Agora, quando ele lança o livro "Mea Culpa", com sua versão sobre o crime, Cristiana quebra um silêncio de 30 anos para defender a mãe: "Esse homem é um canalha. Ele está querendo ganhar dinheiro à custa da minha mãe. Meu Deus, quando é que ele se cansará de assassiná-la e a reputação dela?"
O desabafo de Cristiana lembra a frase dita ainda em 1979, ano do primeiro julgamento de Doca Street, pelo poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987): "Aquela moça continua sendo assassinada todos os dias e de diferentes maneiras". Drummond referia-se à estratégia da defesa de Doca Street, que mostrava Ângela Diniz como uma "femme fatale", "vênus lasciva" movida a cocaína e álcool e que, depois de forçá-lo a abandonar família e amigos, quis desonrá-lo.
"Se quiser me dividir com homens e mulheres, pode ficar, seu corno." Segundo Doca (não há testemunhas), essas foram as últimas palavras de Ângela, antes de ele descarregar a pistola contra ela. O argumento da "legítima defesa da honra" convenceu os jurados, e Doca saiu livre do julgamento.
Em 1981, foi julgado novamente e, dessa vez, condenado a 15 anos, dos quais cumpriu três em regime fechado, dois no semi-aberto e dez em liberdade condicional.

"Mentiras"
"É aterrorizante o cinismo desse homem. Ele foi à televisão dizendo que pede perdão à nossa família. Tinha, sim, que pedir perdão por todas as mentiras que contou", diz Cristiana, que tinha 12 anos quando perdeu a mãe.
Poucos dias antes do crime, Ângela e Doca, então morando em Búzios, no Rio de Janeiro, foram para Minas passar o Natal com a família dela. Cristiana lembra-se de Doca: "Ele era um homem bonito, fama de playboy, mas tinha alguma coisa errada. Ele não largava dela um minuto sequer. Minha mãe não pôde conversar a sós com minha avó, com minha tia ou com os seus filhos. Até ao banheiro ele ia junto".
"Esse homem fala no livro que Ângela usava drogas de manhã, de tarde e de noite. Se usava, era ele quem incentivava. Em Minas, de onde saíra havia pouco tempo, ela nem bebia", afirma a filha. No livro, Doca Street admite que, em duas ocasiões, Ângela quis parar de cheirar cocaína. Foi ele que não quis. À Folha, Doca disse: "O problema dela era o álcool, a cocaína até a ajudava a se recompor."
A família de Ângela Diniz foi marcada pela tragédia. "Para nós, a morte de mamãe foi avassaladora", diz Cristiana. O filho caçula de Ângela, Luiz Felipe, morreu aos 21 anos em um acidente de carro. O mais velho, Milton Vilas, 43, sofreu um acidente de motocicleta em 1982. Teve traumatismo craniano e hoje locomove-se com dificuldade. O primeiro marido de Ângela, Milton Vilas Boas, morreu em 1980, em um acidente de avião.
Maria Diniz, avó de Cristiana e mãe de Ângela, parou de trabalhar depois do assassinato da filha -ela era costureira do high society mineiro-, "tornou-se uma pessoa amarga que vivia para cuidar do meu irmão Milton". Morreu neste ano.
"É incrível que minha mãe continue a ser condenada até hoje", diz Cristiana. "Ela era uma mulher de vanguarda. Ela fazia o que bem entendia. Apesar de toda a dor que passamos, eu tenho o maior orgulho de ser filha de Ângela Diniz."


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