São Paulo, sábado, 06 de setembro de 2008

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No interrogatório, juiz ironizou militares, criticou trotes e pediu "mentira coerente"

DA SUCURSAL DO RIO

Foi a atitude do juiz Marcelo Granado no interrogatório do tenente Vinícius Ghidetti, único oficial e primeiro ouvido, que mais desagradou ao Comando Militar do Leste.
Várias vezes, Granado encurralou o réu e ironizou seus argumentos. Alguns comentários resvalaram no Exército. Para militares, ele ridicularizou "valores" que o tenente disse "cultuar" e criticou a prática de trote, vista na caserna como reforço da "camaradagem" e rito de passagem.
Leia abaixo alguns trechos:

Juiz não cai do céu
"Juiz federal não é sujeito que senta aqui porque cai do céu. Tem dor de cabeça, dor de barriga, briga, faz carinho na mulher. Nunca soltei pipa no ventilador, joguei bola de gude no tapete... Não fui criado em apartamentinho no Leblon, mas na zona norte do Rio."
(Ao abrir a audiência, pedindo a verdade)

"Susto"
Tenente Ghidetti - "Fui formado na Aman, com valores que cultuo até hoje. Queria apenas dar um susto neles [liberando-os na entrada da Mineira, de facção inimiga da que controla a Providência]", justificou, ao alegar que não pretendia desobedecer ao capitão que determinara liberar o jovens detidos.
Juiz Granado - "Esses valores o sr. aprendeu na Academia? Aprendeu na Aman a dar "susto" também?"

"Traficante obedece?"
Juiz Granado - "Como um ser humano que mora no Rio pode querer me convencer de que não podia cogitar que o sujeito entregue a uma facção rival vai morrer?"
Tenente Ghidetti - "Eu falei, inclusive [aos traficantes]: "É só um susto!'"
Juiz Granado - "E traficante obedece?"
Tenente Ghidetti - Na minha cabeça, a gente chegando ali com viatura militar, acreditei que fosse impor respeito..."
Juiz Granado - "Achou que fosse impor respeito? Então por que o Exército precisa ficar 24 horas na Providência? Se fosse assim, bastaria o Exército chegar lá, dizer que não queria ponto-de-drogas e ir embora."
Tenente Ghidetti - "Esperava sinceramente que só fossem tomar um susto."

"Mentira coerente"
Juiz Granado - "Já fui defensor público e conheço as estratégias. (...) Peço apenas que, se a verdade não for possível, que a mentira seja coerente."
(Ao instar os militares a dizer a verdade)

Trote "absurdo"
Sargento Renato Alves - "Já vi colegas meus apanharem de cinto e até mesmo de porta de armário. É como os militares encaram fazer parte de um grupo. Levei na brincadeira, todos já passaram a mesma situação."
Juiz Granado - "Já é um absurdo o trote interno, que deveria ser banido, mas é normal trote em civil?"
Sargento Alves -"Não."


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