São Paulo, domingo, 06 de outubro de 2002 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GILBERTO DIMENSTEIN Ganhamos
Não há registro na história
brasileira de uma ação de tamanho impacto promovida por
delinquentes, como se viu, na segunda-feira passada, quando o
Rio de Janeiro fechou as portas
devido às ameaças de traficantes
-era como se fosse decretada, na
marra, uma greve geral.
Na semana final das eleições, vimos a convivência da barbárie
marginal com a civilidade democrática. Mesmo levando em conta
as baixarias, as demagogias e as
asneiras mercadológicas, estamos
assistindo a uma disputa civilizada, sem violência. Os candidatos,
cobrados pelos meios de comunicação e pelos eleitores, esforçam-se para mostrar propostas, e a Justiça, por sua vez, coíbe rapidamente os abusos. A atitude do
presidente da República é de tolerância; ele procura agir como um
facilitador, criando um ambiente
de transição pacífica; o governo
federal apanha, mas a figura do
presidente é preservada. Ninguém, nem remotamente, fala em
retrocesso institucional, inquietação nos quartéis, rebeliões etc.
Quem acenou com dossiês e golpes baixos deu-se mal.
O ânimo nacional, escancarado
nas eleições, está baseado num
exagero: acredita-se que nada ou
quase nada tenha mudado. Para
muitos, o Brasil está pior. O sentimento é verdadeiro, mas a informação é equivocada. Indicadores
de saúde e de educação revelam
uma nação melhor em vários aspectos; desenvolveram-se, no país,
programas sociais de abrangência inusitada.
Um dos vários problemas do
próximo governo é, paradoxalmente, o fato de o Brasil ter avançado. Mais gente na escola significa mais expectativas de melhores
empregos. São brasileiros que
apostam na educação, conseguem chegar ao ensino médio e,
com muito esforço, cursam uma
faculdade privada. A falta de emprego -ou a resignação a um
emprego ruim- vai engendrar
uma geração de frustrados e de
rebeldes. Espere para ver: o movimento dos sem-universidade, essencialmente urbano, vai fazer
muito mais barulho do que o movimento dos sem-terra.
A partir de hoje, os candidatos
começam a descer dos palanques
e a realidade começa a subir às
suas cabeças. Empossados, devem
se justificar, alegando que a herança recebida era pior do que
imaginavam; vão reclamar da
falta de apoio dos políticos, da
pouca compreensão da imprensa,
e por aí vai. Vão dizer em janeiro
o que obviamente sabiam desde
muito tempo: mudança vem devagar, é preciso ter paciência.
P.S. - Tenho 46 anos e nunca tinha presenciado, no Brasil, uma
eleição de tão elevado nível, com
tantos debates e com a divulgação de propostas administrativas
disseminados nessa amplitude.
Os livros de história não me mostram outros casos no país. Houve
muitos atritos, é claro. Mas pouco
ódio. O eleitor queria mais solução do que fofoca e pancadaria. A
imprensa cumpriu bem seu papel,
e o presidente da República se
comportou (pelo menos até agora) com equilíbrio. A combinação
de maturidade democrática com
aumento da escolaridade está, como se vê, surtindo efeito. Pelo menos nesse aspecto, entre tantas
derrotas sociais, todos ganhamos. |
|