São Paulo, quinta-feira, 06 de outubro de 2005

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PASQUALE CIPRO NETO

"Em interrogatório à Polícia Federal..."

Já não sei quantas vezes tratei neste espaço do "titulês", que nada mais é do que a "língua" em que se escrevem muitos dos títulos dos nossos jornais. Não custa lembrar a velha máxima das Redações: "Título bom é título que cabe". Em respeito a essa "lei", perpetram-se construções que não encontram registro na língua.
As vítimas mais freqüentes desse procedimento são as preposições, usadas como verdadeiros curingas ou vale-tudo. Se a preposição "para" não cabe, enfia-se "a" no lugar dela ("Escort não é páreo a Kombi" -o título é real, ou seja, foi publicado; só troquei os nomes); se a palavra "na" (contração da preposição "em" com o artigo "a") é muito curta, mete-se "sobre" em seu lugar ("DAC intervém sobre Vasp" -o título também é real).
Pois bem. Se esse procedimento se limitasse aos títulos, seria, digamos, "compreensível" (não é nada fácil, em pleno frenesi do fechamento, redigir frases que se encaixem perfeitamente no espaço preestabelecido e que sintetizem o texto ao qual se referem). O fato é que o uso um tanto esdrúxulo das preposições acaba se estendendo ao texto em si.
No início da semana, um radialista informou que, "em interrogatório à Polícia Federal, Fulano de Tal afirmou...". Imaginei que se tratasse de mero equívoco, facilmente explicável pelo cruzamento de construções como "interrogatório na Polícia Federal" e "declarações prestadas à Polícia Federal". A tese logo caiu por terra, quando o radialista usou de novo a construção ("Em novo interrogatório à Polícia Federal...").
O fato é que muitas vezes esses procedimentos inadequados fazem escola, criam moda. O resultado é conhecido: construções empoladas, supostamente sofisticadas, que quase sempre acabam integrando textos pífios, sem nexo, excessivamente preso a falsos rigores formais. Fuja disso, caro leitor! O que conta mesmo é ser claro, coeso, coerente, o que, em outras palavras, significa costurar adequadamente as palavras e as orações que integram o seu texto.
Para que não fique dúvida, o interrogatório ocorre mesmo na Polícia Federal, portanto não é preciso inventar a construção "Em interrogatório à Polícia, Fulano..." Basta dizer "Em interrogatório na Polícia Federal...".
Esse caso lembra o do verbo "socorrer", cuja regência, nos meios de comunicação (sobretudo no rádio), é "socorrer alguém a algum lugar" ("A vítima foi socorrida ao Hospital das Clínicas", dizem sistematicamente os repórteres de rádio). Parece clara a influência da regência de "levar", que, língua culta, rege as preposições "a" e "para" (levar alguém a/para algum lugar").
O fato é que a construção "socorrer alguém a algum lugar" parece forçada, muito forçada. Leva-se a vítima a (ou para) um lugar em que ela seja socorrida. Moral da história: a vítima foi levada ao Hospital das Clínicas (onde, parece óbvio, foi socorrida).
Por fim, vale a pena citar o verbo "contribuir", que já foi objeto de uma questão da Fuvest. Na língua padrão, contribui-se com algo para uma campanha etc. ("Contribuí com R$ 100 para a campanha de Fulano"). Quando não se menciona o instrumento da contribuição, é cada vez mais comum a troca das preposições ("Contribuí com a campanha..."). Esse uso ainda não é reconhecido nos registros formais. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br


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