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PASQUALE CIPRO NETO
"Em interrogatório à Polícia Federal..."
Já não sei quantas vezes tratei
neste espaço do "titulês", que
nada mais é do que a "língua" em
que se escrevem muitos dos títulos
dos nossos jornais. Não custa lembrar a velha máxima das Redações: "Título bom é título que cabe". Em respeito a essa "lei", perpetram-se construções que não
encontram registro na língua.
As vítimas mais freqüentes desse procedimento são as preposições, usadas como verdadeiros
curingas ou vale-tudo. Se a preposição "para" não cabe, enfia-se
"a" no lugar dela ("Escort não é
páreo a Kombi" -o título é real,
ou seja, foi publicado; só troquei
os nomes); se a palavra "na"
(contração da preposição "em"
com o artigo "a") é muito curta,
mete-se "sobre" em seu lugar
("DAC intervém sobre Vasp" -o
título também é real).
Pois bem. Se esse procedimento
se limitasse aos títulos, seria, digamos, "compreensível" (não é
nada fácil, em pleno frenesi do fechamento, redigir frases que se
encaixem perfeitamente no espaço preestabelecido e que sintetizem o texto ao qual se referem). O
fato é que o uso um tanto esdrúxulo das preposições acaba se estendendo ao texto em si.
No início da semana, um radialista informou que, "em interrogatório à Polícia Federal, Fulano
de Tal afirmou...". Imaginei que
se tratasse de mero equívoco, facilmente explicável pelo cruzamento de construções como "interrogatório na Polícia Federal" e
"declarações prestadas à Polícia
Federal". A tese logo caiu por terra, quando o radialista usou de
novo a construção ("Em novo interrogatório à Polícia Federal...").
O fato é que muitas vezes esses
procedimentos inadequados fazem escola, criam moda. O resultado é conhecido: construções empoladas, supostamente sofisticadas, que quase sempre acabam
integrando textos pífios, sem nexo, excessivamente preso a falsos
rigores formais. Fuja disso, caro
leitor! O que conta mesmo é ser
claro, coeso, coerente, o que, em
outras palavras, significa costurar
adequadamente as palavras e as
orações que integram o seu texto.
Para que não fique dúvida, o
interrogatório ocorre mesmo na
Polícia Federal, portanto não é
preciso inventar a construção
"Em interrogatório à Polícia, Fulano..." Basta dizer "Em interrogatório na Polícia Federal...".
Esse caso lembra o do verbo "socorrer", cuja regência, nos meios
de comunicação (sobretudo no
rádio), é "socorrer alguém a algum lugar" ("A vítima foi socorrida ao Hospital das Clínicas", dizem sistematicamente os repórteres de rádio). Parece clara a influência da regência de "levar",
que, língua culta, rege as preposições "a" e "para" (levar alguém
a/para algum lugar").
O fato é que a construção "socorrer alguém a algum lugar" parece forçada, muito forçada. Leva-se a vítima a (ou para) um lugar em que ela seja socorrida. Moral da história: a vítima foi levada
ao Hospital das Clínicas (onde,
parece óbvio, foi socorrida).
Por fim, vale a pena citar o verbo "contribuir", que já foi objeto
de uma questão da Fuvest. Na língua padrão, contribui-se com algo para uma campanha etc.
("Contribuí com R$ 100 para a
campanha de Fulano"). Quando
não se menciona o instrumento
da contribuição, é cada vez mais
comum a troca das preposições
("Contribuí com a campanha...").
Esse uso ainda não é reconhecido
nos registros formais. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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