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PASQUALE CIPRO NETO
Acórdão e acordão
A presença e a ausência dos acentos podem indicar diferenças e/ou preferências léxicas e/ou semânticas
E RENAN CALHEIROS se safou de
mais uma. No início da semana, analistas políticos bem informados e experientes já informavam, passo a passo, o roteiro do
"acordão": Renan renunciaria à presidência do Senado antes da sessão
que o absolveria da acusação etc.
Pois bem. Talvez pelo fato de a palavra "acórdão" me ser mais freqüente do que "acordão" (não raro
faço trabalhos para pessoas ou entidades ligadas ao direito), sempre
que vejo "acordão" nos títulos jornalísticos tenho a impressão de que
quem a escreveu se esqueceu do
acento agudo no "o". Uma rápida
"ajeitada" no cérebro e, levado pelo
contexto, caio na real e vejo que não
se trata de "juridiquês", mas de "politiquês" mesmo -ou de falta de vergonha na cara, para usar o que o povo chama de "português claro".
"Acórdão" é termo jurídico, definido pelo "Aurélio" como "decisão
proferida em grau de recurso por tribunal coletivo" e pelo "Houaiss" como "decisão final proferida sobre
um processo por tribunal superior,
que funciona como paradigma para
solucionar casos análogos". Salvo
engano, parece que os juristas não
gostam de nenhuma das definições.
Cá entre nós, parece que, no caso
da conduta do Senado em relação a
Renan (e a outros), a definição de
"acórdão" do "Houaiss" pode ser
aplicada também a "acordão"...
Sob o aspecto da prosódia (parte
da gramática que se dedica ao estudo da pronúncia das palavras e a outras particularidades da emissão dos
sons da fala), "acórdão" é paroxítona
e leva acento agudo justamente por
ser paroxítona terminada em "ão";
"acordão" é oxítona, como "balão",
"alemão", "sabão", "portão" etc.
Com a dupla "acórdão/acordão", a
diferença de pronúncia e de grafia
implica alteração no significado,
mas nem sempre a coisa funciona
dessa maneira. Em casos como o de
"projetil" e... Antes de prosseguir,
permita-me perguntar-lhe, caro leitor: como você leu "projetil"? Por
acaso pôs força no "e"? Se pôs, errou
a leitura, já que escrevi "projetil" e
não "projétil", ou seja, escrevi uma
oxítona, e não uma paroxítona.
Sim, já sei, você dirá que ninguém
diz "projetil" (com força no "i"), ou
seja, ninguém lê essa palavra como
se lê "barril", "fuzil" ou "ardil". Pois é
aí que mora o perigo. No ambiente
militar, é muitíssimo mais freqüente a grafia "projetil" (e a pronúncia
de acordo com essa grafia). Pode
prestar atenção no pronunciamento
de um especialista em balística. É
muito mais provável que de sua boca
saia "projetil" (e não "projétil").
Aonde quero chegar? Ao seguinte
ponto: em português, a presença e a
ausência dos acentos gráficos podem indicar preferências e/ou diferenças léxicas e/ou semânticas.
Quem procura "projétil" no "Aurélio" encontra esta orientação, curta
e grossa: "V. projetil". Que significa
isso? Que para esse dicionário a
forma preferencial ou mais registrada é "projetil" (oxítona).
O diabo é que, em geral, as pessoas simplesmente ignoram o papel dos acentos na hora de ler uma
palavra. Ainda que se escreva "projetil", a maioria lerá "projétil", forma mais difundida no uso geral.
Dá-se o mesmo com a dupla "reptil/réptil". Em "réptil", o "Aurélio"
manda procurar "reptil", forma desusada hoje, mas comum outrora
na literatura especializada. É isso.
inculta@uol.com.br
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