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Vera Magalhães, 59, a seqüestradora do embaixador
DA SUCURSAL DO RIO
Morreu na terça-feira a economista e socióloga Vera Silvia Magalhães, 59, a única mulher no grupo de guerrilheiros
do MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro) que,
em 1969, seqüestrou o embaixador americano Charles Burke Elbrick, na mais famosa
ação armada durante a ditadura militar brasileira. Ela sofreu um infarto e morreu em
casa, em Copacabana, zona sul
do Rio de Janeiro.
Vera foi a responsável por
levantar informações sobre os
hábitos do embaixador. Para
tal, seduziu o chefe da segurança de Elbrick.
"Em poucas perguntas soube hora, roteiro [do embaixador], placa [do carro]... Mas eu
não dei", disse em uma entrevista à TV Câmara em 2003.
Nascida em família de classe média, Vera ingressou na
militância política aos 15 anos.
Segundo dizia, a leitura do
"Manifesto do Partido Comunista", de Karl Marx e Friedrich Engels aos 11 anos -presente de um tio- determinou
seu engajamento. Foi a primeira pessoa a ser indenizada
em vida como reparação por
torturas durante a ditadura.
No crematório do Caju, ontem de manhã, o deputado federal Fernando Gabeira (PV),
seu ex-companheiro e colega
de seqüestro, disse que "era
mulher intensa, inteligente,
sensível, com muito humor".
"Ela tinha uma personalidade muito semelhante ao do
seu primeiro companheiro
[José Roberto Spigner]." Ela
casou-se outras quatro vezes.
Também do grupo que seqüestrou Elbrick, o ministro
Franklin Martins (Secretaria
de Comunicação Social) afirmou que Vera "viveu intensamente e à frente de seu tempo". Para Martins, ela era uma
otimista, que acreditava "que
as coisas dariam certo".
"Tive o privilégio de ter sonhado os mesmos sonhos que
ela, chorado nos mesmos momentos, e comemorado as
mesmas conquistas que ela."
O ex-líder estudantil Vladimir Palmeira destacou que
Vera, mesmo com seqüelas da
tortura, mantinha militância
política, mas não partidária.
"Era muito bonita e a mais inteligente do nosso círculo."
Vera estava aposentada por
invalidez. Até 2004, dava palestra a presidiários e em favelas sobre cidadania pela ONG
Casa Alto Lapa-Santa. "Quero
que as pessoas aprendam a
pensar. Quero que os excluídos saibam porque são excluídos", disse à TV Câmara.
Vera foi uma das que mais
apoiaram o uso da luta armada contra a ditadura. Em 1969,
a Dissidência Comunista da
Guanabara, da qual fazia parte, abandonou a linha pacifista, optando pelas armas.
Após alguns assaltos a bancos e supermercados, passou a
ser conhecida pela imprensa
popular como a "Loura 90":
dizia-se que usava duas pistola 45 mm e uma peruca loura
nas ações. "Eu tinha mal um
38 que emperrava toda hora".
Viu o primeiro marido morrer em confronto com a polícia no início de 1970. Um mês
depois, foi presa na favela do
Jacarezinho fazendo panfletagem. Ao trocar tiros com a
polícia, foi baleada na cabeça.
Ficou presa por três meses.
Foi torturada nas dependências do quartel da Polícia do
Exército, na Tijuca. Saiu da
prisão em junho, libertada
com outros 39 presos em troca do embaixador alemão Ehrenfried von Holleben.
No exílio, passou por Argélia, Cuba, República Tcheca,
França, Alemanha, Chile, Argentina e Suécia. Formou-se
em economia, com mestrado
em sociologia na França. Voltou ao país após a aprovação
da Lei da Anistia, em 1979.
Internada na semana passada em razão de uma hemorragia pulmonar, morreu na madrugada de terça ao sofrer um
infarto. Deixou um filho.
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