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DE CAMAROTE
Emissoras dão aula de surrealismo pela TV
NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA
Em Salvador, a banda Chiclete
com Banana canta "Será", da Legião Urbana, em ritmo de axé. Ao
mesmo tempo, um ator desconhecido explica para Nayla Micherif
(ex Miss Brasil) que "Jesus Cristo
também era um ser humano". A
Band, que montou palanque na
Bahia, foi apenas uma das emissoras a dar aula de surrealismo
na madrugada de sábado, primeiro dia de Carnaval.
Mudando de canal, o teor surrealista aumenta. O estilista Ronaldo Ésper, encostado em uma
bancada, está ao lado de Nelson
Rubens apresentando o "Bastidores do Carnaval 2005" da Rede
TV!. Ésper comenta as fantasias
(ou a falta delas). "O que você
achou da roupa dela?", pergunta
Rubens. "Os seios parecem um
mamão macho. Posso ver o bumbum de novo?", responde Ésper.
No Sambódromo de São Paulo,
a principal atração do canal é a
drag queen Leo Áquila, que faz as
vezes de entrevistador. Outro "repórter", chamado Jacaré, mostra
um joguinho intitulado "adivinhe o sexo do entrevistado". Sim,
um travesti é pego para otário e
dá a entrevista normalmente, até
que alguém da equipe se joga no
chão para tentar olhar, literalmente, por baixo da fantasia do
pobre coitado.
Na Globo, o padrão "somos os
todo-poderosos" impera, como
sempre. Câmeras incríveis e efeitos especiais, como uma chuva de
tampas de cerveja do patrocinador que caem na passarela, mostram que eles são, sim, os reis do
Carnaval televisivo. Mas também
não estão isentos do surrealismo,
pelo contrário. Prova disso é
quando o repórter Márcio Canuto, aquele que é famoso por gritar,
invade o posto médico do Sambódromo paulista e começa a entrevistar ao vivo pessoas doentes.
"Aquele ali passou mal de tanto
sambar", ele diz, enquanto a câmera aponta para um homem
que toma oxigênio. Canuto chega
a entrevistar uma moça deitada
na maca. Sim, ela deu entrevista.
"Estou com pressão baixa, é a
emoção de entrar na avenida."
Os momentos de maior "emoção" no Carnaval de domingo
chegaram já de madrugada.
Atrações: em São Paulo, Chitãozinho e Xororó, enredos da X-9, levaram toda a família para o sambódromo (inclusive Sandy e Júnior, claro). Na Bahia, Daniela
Mercury tocou música clássica
em seu trio elétrico. Enquanto a
cantora faz ar compenetrado,
bailarinas clássicas dançam ao
seu lado.
Em São Paulo, a Rede TV! conseguiu dar o furo de acompanhar
os nervosos Sandy e Junior subindo no carro onde desfilaram. Ronaldo Ésper desanca a fantasia de
Sandy: "devia ter alguma coisa de
sertanejo aí". E repórteres comentam a plástica de Xororó. "Foi botox", avisa Ésper. Na Globo, especialistas de verdade em Carnaval,
como Lecy Brandão, tentam explicar se deu certo juntar Festa do
Peão de Barretos com samba.
Concluíram que, apesar de difícil,
a união funcionou.
Em um canal próximo (pelo
controle remoto, mas distante em
todo o resto), outra união dava
certo. A CNT cobriu os desfiles do
Grupo de Acesso no sambódromo
carioca. As escolas desse grupo
são as excluídas. Ali não se
tem muito dinheiro e pouquíssimas celebridades dão as caras.
A cobertura da CNT parece uma
versão falida da mostrada pela
Globo.
O intitulado "Carnaval do Povão" tem comentaristas com camisas mal cortadas, som ruim
que abafa a transmissão, repórter
que ajeita o cabelo enquanto faz
uma entrevista. Os patrocinadores são um supermercado popular, lojas do Saara (região de comércio popular no Rio de Janeiro) e uma marca de alimentos.
Nada a ver com a ostentação do
camarote de Daniela Mercury,
onde um casal de paulistas dança
música eletrônica. Nem com o
Globocop da Globo. O povão da
CNT usa roupa amassada mesmo. Não toma champanhe nem
tem patrocínio de cerveja. O patrocinador do "Camarote do Povão" é uma marca de arroz e de
feijão. Sim, isso aconteceu. E foi a
parte que mais fez sentido no
Carnaval de sábado pela TV.
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