São Paulo, segunda-feira, 07 de fevereiro de 2005

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DE CAMAROTE

Emissoras dão aula de surrealismo pela TV

NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA

Em Salvador, a banda Chiclete com Banana canta "Será", da Legião Urbana, em ritmo de axé. Ao mesmo tempo, um ator desconhecido explica para Nayla Micherif (ex Miss Brasil) que "Jesus Cristo também era um ser humano". A Band, que montou palanque na Bahia, foi apenas uma das emissoras a dar aula de surrealismo na madrugada de sábado, primeiro dia de Carnaval.
Mudando de canal, o teor surrealista aumenta. O estilista Ronaldo Ésper, encostado em uma bancada, está ao lado de Nelson Rubens apresentando o "Bastidores do Carnaval 2005" da Rede TV!. Ésper comenta as fantasias (ou a falta delas). "O que você achou da roupa dela?", pergunta Rubens. "Os seios parecem um mamão macho. Posso ver o bumbum de novo?", responde Ésper.
No Sambódromo de São Paulo, a principal atração do canal é a drag queen Leo Áquila, que faz as vezes de entrevistador. Outro "repórter", chamado Jacaré, mostra um joguinho intitulado "adivinhe o sexo do entrevistado". Sim, um travesti é pego para otário e dá a entrevista normalmente, até que alguém da equipe se joga no chão para tentar olhar, literalmente, por baixo da fantasia do pobre coitado.
Na Globo, o padrão "somos os todo-poderosos" impera, como sempre. Câmeras incríveis e efeitos especiais, como uma chuva de tampas de cerveja do patrocinador que caem na passarela, mostram que eles são, sim, os reis do Carnaval televisivo. Mas também não estão isentos do surrealismo, pelo contrário. Prova disso é quando o repórter Márcio Canuto, aquele que é famoso por gritar, invade o posto médico do Sambódromo paulista e começa a entrevistar ao vivo pessoas doentes.
"Aquele ali passou mal de tanto sambar", ele diz, enquanto a câmera aponta para um homem que toma oxigênio. Canuto chega a entrevistar uma moça deitada na maca. Sim, ela deu entrevista. "Estou com pressão baixa, é a emoção de entrar na avenida."
Os momentos de maior "emoção" no Carnaval de domingo chegaram já de madrugada. Atrações: em São Paulo, Chitãozinho e Xororó, enredos da X-9, levaram toda a família para o sambódromo (inclusive Sandy e Júnior, claro). Na Bahia, Daniela Mercury tocou música clássica em seu trio elétrico. Enquanto a cantora faz ar compenetrado, bailarinas clássicas dançam ao seu lado.
Em São Paulo, a Rede TV! conseguiu dar o furo de acompanhar os nervosos Sandy e Junior subindo no carro onde desfilaram. Ronaldo Ésper desanca a fantasia de Sandy: "devia ter alguma coisa de sertanejo aí". E repórteres comentam a plástica de Xororó. "Foi botox", avisa Ésper. Na Globo, especialistas de verdade em Carnaval, como Lecy Brandão, tentam explicar se deu certo juntar Festa do Peão de Barretos com samba. Concluíram que, apesar de difícil, a união funcionou.
Em um canal próximo (pelo controle remoto, mas distante em todo o resto), outra união dava certo. A CNT cobriu os desfiles do Grupo de Acesso no sambódromo carioca. As escolas desse grupo são as excluídas. Ali não se tem muito dinheiro e pouquíssimas celebridades dão as caras. A cobertura da CNT parece uma versão falida da mostrada pela Globo.
O intitulado "Carnaval do Povão" tem comentaristas com camisas mal cortadas, som ruim que abafa a transmissão, repórter que ajeita o cabelo enquanto faz uma entrevista. Os patrocinadores são um supermercado popular, lojas do Saara (região de comércio popular no Rio de Janeiro) e uma marca de alimentos.
Nada a ver com a ostentação do camarote de Daniela Mercury, onde um casal de paulistas dança música eletrônica. Nem com o Globocop da Globo. O povão da CNT usa roupa amassada mesmo. Não toma champanhe nem tem patrocínio de cerveja. O patrocinador do "Camarote do Povão" é uma marca de arroz e de feijão. Sim, isso aconteceu. E foi a parte que mais fez sentido no Carnaval de sábado pela TV.


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