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Gays dizem que só eles encaram rainhas de perto
PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL
É preciso ser gay. Os encarregados de vestir a madrinha da
bateria de uma escola de samba
afirmam que o macho-muito-macho não resistiria à emoção
de besuntar de óleo o corpo da
musa, nem de ajudá-la a colocar o fio dental (ajeitando aquele penacho mal acomodado na
traseira da fantasia) e, muito
menos, de resolver friamente a
emergência de um arame partido no microtop que decora os
seios durinhos dela.
"A gente olha para a rainha
como uma escultura. Um homem [heterossexual] não conseguiria chegar nem à metade
do caminho sem querer avançar na mulher", acredita o estilista Tony Tara, 42, que veste
Renata Santos, 28, rainha da
bateria da Mangueira.
Com o nariz a dois dedos da
nádega esquerda de Renata
(1,70 m de altura, 63 kg, 102 cm
de quadril), Tara ajeita o macaquinho pink hiperjusto dela,
durante o ensaio na quadra da
escola. A rainha abre ligeiramente as pernas, para que ele
arranque um fiapo de linha que
pende da peça feita de renda e
cristais. Tudo o que Tara consegue ver, entre as duas virilhas
do mulherão, é o fiapo.
"Já perdi a conta dos amigos
que se oferecem para me ajudar
a vestir a Renata. Eles dizem
que não vão atrapalhar, que ficam quietinhos", diz, rindo.
Antes dele, quem ajudava Renata na concentração era o próprio marido dela, o empresário
André Moreira, 37, sujeito ainda mais invejado que Tara
-mas não tão talentoso.
"Eu ficava nervoso, atrapalhava mais que ajudava."
A confecção da indumentária
da rainha, por menor que seja,
começa cerca de quatro meses
antes do Carnaval. O especialista em "traje sensual" se encarrega de todo o guarda-roupa da
musa. "Só para o cruzeiro do
Roberto Carlos, fiz três vestidos de noite. Mas não era nada
tipo "periguete'", explica Luiz
Fernando Gomes, 32, montador da rainha da bateria da Vila
Isabel, Gracyanne Barbosa, 25.
A roupa do desfile pode chegar a R$ 50 mil. Pela mão de
obra, eles cobram cerca de 10%
disso. "Só uma pena de pavão
custa R$ 130, querido!" A escola
paga (a menos que a rainha não
seja da comunidade).
A vocação de Luiz Fernando
é antiga. Quando criança, seu
sonho era ganhar uma Barbie
(conseguiu apenas um Falcon):
"Na frente dos meus pais, eu
vestia o boneco com roupa de
guerra; eles viravam as costas, e
eu transformava o Falcon numa drag queen."
Gracyanne diz que prefere os
gays (para vesti-la) do que os
homens e, até, as mulheres.
"Elas têm o próprio cabelo
para cuidar, não ia dar certo."
"Nós somos a boneca deles
[montadores de rainhas]", diz
Renata Frisson, 23, a "mulher
melão", rainha da bateria da
Lins Imperial.
Michel Massola, 24, "apoio"
de Frisson, explica que nesse
desfibrar cardio-afetivo estão
incluídos a aplicação de um
emplastro "na perereca dela"
para fixar a calcinha e um adesivo transparente para esconder os bicos dos seios.
Pioneira
A primeira rainha com status
de musa foi Monique Evans,
em 1985, pela Mocidade Independente de Padre Miguel.
"Mas eu não tinha bichinha de
apoio! Chegava enrolada numa
canga, ia pro barracão e vesti
a
um biquininho de mulata."
Por causa do caráter improvisado da produção, Monique
estrelou o primeiro topless involuntário da Sapucaí.
"A estrela de strass de um dos
peitos caiu. Pintaram alguma
coisa em cima, mas ainda assim
o peito ficou descoberto. Foi
um espetáculo do mesmo jeito.
Sempre era. Foram 20 anos
inesquecíveis!"
Veja o especial de Carnaval
www.folha.com.br/100191
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