São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

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DANUZA LEÃO

Com vontade

Uma das grandes razões do descontentamento -ou ausência de prazer -na vida das pessoas é o tédio.
Alguns já nascem com ele instalado na alma; passam a infância, a adolescência e a juventude sem achar graça em nada, e estão fadados a ter uma maturidade das piores. Claro: se já são assim aos 20, imagine aos 60. Mas existem outros -e isso nada tem a ver com inteligência, cultura ou riqueza- que não sofrem desse mal e parecem estar de bem com a vida em todos os momentos: são os que se interessam por muitas coisas e assim se tornam, automaticamente, pessoas mais interessantes.
Se, numa noite de insônia, der vontade de trocar os móveis da sala de lugar, tipo botar a cama na sala e a geladeira no quarto -e por que não?-, é claro que isso passa a ser a coisa mais importante da vida. Ninguém vai esperar o dia raiar para empurrar os móveis, claro, e é essa urgência interna que faz com que se viva sempre ligada, o que faz muito bem à saúde física e mental.
Inventar, se inventar, se reinventar. Não especialmente para ter sucesso ou ganhar dinheiro -o que, aliás, não faz mal a ninguém-, mas para ter algum interesse, seja ele qual for, que tome conta de todos os seus pensamentos e toda a sua energia. Está-se falando de intensidade e paixão: tudo que você faz, desde cortar uma franja, fundar uma ONG, fazer um bolo ou passar a mão na cabeça de um cachorro, deve ser feito sempre com muita garra. Entre de cabeça em tudo; filie-se a um partido político, engaje-se numa campanha para salvar os filhotes de jacaré, entre numa aula de bordado. Qualquer coisa serve, contanto que você mergulhe nela profundamente, mesmo que seja só por alguns dias.
Apaixone-se por tudo, até pelos 300 abdominais diários que é obrigada a fazer, como se disso dependesse sua vida. É claro que ninguém adora fazer abdominais, mas reflita: se eles forem feitos de maneira displicente, não vão fazer efeito algum. Mas se você pensar no quanto vai ficar linda com uma barriga de tanque, o quanto vai sair da ginástica feliz pelo dever cumprido, e, sobretudo, o quanto vai estar felicíssima porque a próxima aula é só depois de amanhã, não são essas excelentes razões para achar a vida ótima? Além de passar uma hora muito agradável, vai poupar os outros do espetáculo deprimente que é o de ver alguém fazendo ginástica sem garra.
É isso: paixão. Pessoas apaixonadas são sempre muito apaixonantes, até quando falam das sementes de tomates que plantaram num vaso. Eu tenho uma amiga que uma vez tirou férias só para fazer uma dieta nova, e dedicou todos os segundos de duas semanas inteiras a isso. No lugar de ficar infeliz, reclamando de tudo, viveu 15 dias com uma listinha na mão olhando o relógio para saber quantos minutos faltavam para tomar a gelatina diet, aquela maravilha. E foi tão delicioso que até hoje ela morre de saudades quando lembra.
E outra coisa: muito cuidado com os indiferentes, desanimados e deprimidos, que não conseguem ter paixão por nada. Eles são perigosos e, com a convivência, quando menos esperar, você pode estar igual a eles. Porque essa doença é como tantas outras: ela pega.


E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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