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SAÚDE EM RISCO
Estimativa sobre o gasto com atendimento foi feita pela Rede Feminista de Saúde
Complicações do aborto inseguro custam US$ 10 mi ao ano ao país
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
O Brasil gasta por ano cerca de
US$ 10 milhões no atendimento
das complicações do aborto inseguro, revela dossiê da Rede Feminista de Saúde, entidade que reúne mais de 200 organizações de
mulheres. O documento será entregue à comissão tripartite, que
discutirá o projeto de descriminalização do aborto no país.
No dossiê, obtido com exclusividade pela Folha, foram acompanhados casos de mulheres que
praticaram aborto ou sofreram
abortos espontâneos e que passaram por curetagens em hospitais
públicos, entre 1999 e 2002.
Também foram mapeadas as
mortes por abortamentos. No
Brasil, o aborto é a quarta causa
de mortalidade materna.
Elaborado a partir de consulta
no DataSus (Departamento de
informática do Sistema Único de
Saúde), o documento mostra
que, anualmente, são feitas cerca
de 238 mil internações por aborto
na rede pública de saúde, a um
custo médio unitário de R$ 125,
totalizando R$ 29,7 milhões.
As maiores taxas de curetagens
estão no Nordeste (5,5 a cada
1.000 mulheres), no Norte (4,48) e
no Sudeste (4,13). A menor taxa
está no Sul (2,65). Não estão computados os atendimentos realizados na rede privada.
Há uma unanimidade entre os
pesquisadores de que tanto o número de abortos oficialmente registrados como os gastos com esses procedimentos estão muito
aquém da realidade.
O Instituto Alan Guttmacher
-instituição norte-americana
que realiza pesquisas sobre saúde
sexual e reprodutiva- estima
que apenas uma em cada cinco
mulheres procure o hospital. As
projeções dão conta de que casos
de abortos clandestinos ultrapassem 1 milhão por ano no Brasil.
Os casos que chegam aos hospitais são, em geral, referentes a
complicações. "Mulheres pobres
que estão com hemorragia intensa ou infecção", descreve o médico Aníbal Faúndes, professor da
Unicamp.
Segundo ele, medicamentos como o Cytotec, cuja venda é proibida no Brasil, ajudaram a diminuir as complicações por aborto.
No mercado negro, um comprimido de Cytotec chega a custar
R$ 100, segundo o dossiê.
Os gastos públicos com o aborto também estão subdimensionados porque não são computados
os custos com internações prolongadas ou com as mulheres que
necessitaram de UTI.
Na avaliação de Fátima de Oliveira, secretária-executiva da Rede Feminista de Saúde, a legalização do aborto seguro, além de poder salvar mais vidas, representará, do ponto de vista econômico,
uma economia para o país.
Mortes
Entre 1999 e 2002, foram registradas 6.301 mortes maternas no
país. Dessas, 8,5% (538) estavam
relacionadas a abortos.
Os dados referentes a esses 538
casos indicam que as meninas de
até 15 anos aparecem com maior
peso na mortalidade (respondem
por 14% dos óbitos por aborto).
Nas internações por aborto, elas
respondem por 1,2% dos casos.
Para Gilberta Soares, coordenadora das jornadas brasileiras pela
legalização do aborto, como
grande parte das mulheres brasileiras em idade fértil estão laqueadas, as jovens pobres, que não
tem orientação sexual adequada,
vão começar a figurar no topo das
estatísticas do aborto inseguro.
Entre as 89 mortes por aborto
analisadas, o dossiê revela que
62,9% das mulheres eram solteiras ou separadas, 73% apresentavam menos de oito anos de estudo e 55% tinham até 29 anos.
Também é grande a subnotificação das mortes por aborto. Segundo o Comitê Estadual de Prevenção da Morte Materna do Paraná, 40% dos óbitos maternos
não são registrados como tal. "Estão mascaradas entre infecções,
hemorragias ou óbitos por "causa
mal definida'", diz a enfermeira
paranaense Alaerte Leandro
Martins, uma das pesquisadoras
que elaboraram o dossiê.
Outro dado revelador é que
muitos dos abortos que levam à
morte não são os provocados.
Das mortes avaliadas no período,
55,8% estavam nessa categoria.
"A ilegalidade condena tanto as
que abortam espontaneamente
como as que provocam. Ao chegarem a um serviço público com
abortamento em curso ou com
complicações, as mulheres são
tratadas como criminosas, são as
últimas a serem atendidas, até
que muitas fiquem com seqüelas
ou morram", afirma Martins.
O caso de R.M.P., do Paraná,
ilustra a situação. Em 2002, ela
procurou um serviço de planejamento familiar e recebeu a prescrição de um anticoncepcional
injetável. Ignorando que pudesse
estar grávida, tomou a injeção 14
dias após a sua menstruação.
Quase três meses após iniciar o
uso do hormônio injetável, R. começou a apresentar febre, vômitos, calafrios e dor de cabeça. O
médico prescreveu Buscopan. No
dia seguinte, ela voltou e teve
diagnóstico de entero-infecção.
O abortamento espontâneo
ocorreu no próprio consultório.
Ela foi levada ao hospital e submetida a uma curetagem uterina.
No dia seguinte, apresentou septicemia e foi transferida para a
UTI de outro hospital. Morreu à
noite. Tinha 34 anos e dois filhos.
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