São Paulo, domingo, 07 de maio de 2000


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GILBERTO DIMENSTEIN
Professor-doutor Tia

Com dedicação de 22 horas sem anais, uma professora de 1ª a 4ª série (antigo primário) consegue receber, numa escola de elite de São Paulo, até R$ 2.500 mensais, segundo ranking do sindicato dos professores -a média, nesse tipo de escola, gira em torno dos R$ 2.200.
Qual deveria, portanto, ser o salário do professor de uma das mais conceituadas universidades da América Latina, com doutorado nas costas?
A resposta óbvia é que deveria ganhar mais do que as chamadas "tias", referência carinhosa das crianças às professoras.
Se comparamos as folhas de pagamento, vemos que um professor com doutorado da Universidade de São Paulo ou da Unicamp ganha, na verdade, menos do que a professora primária das escolas ricas. Aliás, bem menos.

De acordo com informações do Departamento de Recursos Humanos da USP, o professor com doutorado, dedicação de 24 horas semanais, chega, em média, aos R$ 2.100.
Por mais impactante que pareça, a comparação é enganosa: afinal, colocamos lado a lado uma professora de 1ª a 4ª série com alguém próximo do topo da vida universitária.
Peguemos, então, um professor-assistente da USP, com mestrado, também com 24 horas semanais: ganha, em média, R$ 1.200.
Cerca de dois desses indivíduos valem a tia da escola de elite.

Professor-doutor com salário de "tia", razão da greve das universidades estaduais de São Paulo, mostra uma tendência inevitável: o sucateamento do ensino superior público.
"É fácil tirar um professor da universidade pública", afirma Cláu dio Haddad, dono das faculdades Ibmec.
Ele informa que, em suas faculdades, a média salarial é de R$ 9.000. Em muitos casos, afirma, paga-se até R$ 13 mil. Salários inatingíveis para qualquer um numa universidade pública -e já frequente em escolas de segundo grau.
A média dos professores com doutorado, dedicação integral, é de R$ 4.300.

Na briga por alunos, as faculdades privadas sabem que devem apostar na qualidade de seus professores; logo vão buscar os talentos das universidades públicas.
"O salário exerce um poder de sedução", afirma o presidente do sindicato das faculdades privadas (Semesp), Gabriel Rodrigues.
As tabelas de sua entidade informam que um coordenador de cursos consegue tirar um salário de até R$ 7.000 mensais; o diretor vai até R$ 12 mil.
As universidades estaduais estão literalmente de braços amarrados, graças, em boa parte, às mamatas corporativas: os orçamentos estão comprometidos quase que integralmente com as folhas de pagamento.
Uma situação que não pára de piorar, graças ao peso dos aposentados -muitos deles levando um adicional por dar aulas nas escolas particulares.
As universidades públicas correm, assim, o risco de não mais atrair os melhores alunos e, aí, está selado o sucateamento definitivo.
Em várias faculdades públicas já estão faltando professores.

O aluno vai preferir pagar pela boa faculdade, caso a mensalidade gratuita implique menos qualidade.
O exemplo: uma expressiva quantidade de alunos prefere cursar administração numa Getúlio Vargas, mesmo arcando com os custos, a entrar numa USP.
Diga-se que, na FGV, um professor recebe, no mínimo, uma hora-aula de R$ 50, segundo o ranking sindical.
"Vamos pagar o que for necessário para termos os melhores. Só assim, nessa lógica óbvia de mercado, vamos conquistar nossa clientela", afirma Cláudio Haddad.

A lógica do mercado é arriscada pelo simples e bom motivo de que a pesquisa, fundamental para o desenvolvimento de uma nação, é feita nas universidades públicas.
As faculdades privadas, seguindo a lógica do mercado, vão procurar o lucro -o que é, claro, legítimo, sem problema. Mas dificilmente vão sustentar programas e cursos com baixo interesse, mais importantes para o enriquecimento e diversidade de uma comunidade.
Estamos ficando assim: um ensino público em ritmo de sucateamento e as faculdades privadas, tirando as poucas exceções, sofríveis.
Daí a tentação pelas parcerias internacionais, promovendo cursos à distância.
Educação à distância, que deveria ser um complemento, vai virar, em muitos casos, essência.

O problema é que não há projeto de nação que se sustente, de fato, com o professor titular de universidades de ponta ganhando menos do que uma professora primária.
Mais cedo ou mais tarde, vão acabar se convencendo de que uma parte dos gastos deve ser coberta com o pagamento de mensalidades.
Quanto mais cedo, melhor.

PS - Para quem quiser fazer comparações, coloquei, na Folha Online, as tabelas dos salários de professores das mais diversas categorias, localizadas no meu site: www.dimenstein.com.br/


E-mail0gdimen@uol.com.br


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