São Paulo, domingo, 07 de junho de 2009

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"Ter o corpo ajuda a encarar a perda", afirma psiquiatra

Segundo especialista em desastres, "toda vez que você não pode enterrar o seu ente querido, de alguma forma ele não morre'

Para coordenador de comissão de intervenção em desastres, momento agora é o de acolher os parentes dos passageiros desaparecidos

MARIANA BARROS
DA REPORTAGEM LOCAL

De acordo com o psiquiatra José Toufic Thomé, coordenador da comissão técnica de intervenção em desastres e catástrofes da Associação Brasileira de Psiquiatria, a dificuldade em encontrar os corpos dos passageiros do Airbus-A330-200 torna mais árduo o processo de luto dos familiares.
Ele concedeu a entrevista antes da divulgação de que dois corpos haviam sido localizados pela Aeronáutica, ontem.
"Toda vez que você não pode enterrar o seu ente querido, de alguma forma ele não morre", diz Thomé, que prestou auxílio a familiares de passageiros no acidente da TAM em 2007 e trabalha com vítimas das enchentes de Santa Catarina.
A Air France enviou ao Rio sete médicos, sete psicólogos e 26 funcionários da companhia -entre brasileiros e franceses- para prestar auxílio às famílias dos passageiros.
A empresa informou que esses trabalhadores são voluntários, acionados em emergências. Eles recebem três dias de treinamento e se dispõem a ajudar quando solicitados. "Precisaria saber se esse pessoal é preparado", diz Thomé.

 

FOLHA - Como o sr. avalia a iniciativa da Air France, de oferecer ajuda psicológica aos familiares?
JOSÉ TOUFIC THOMÉ -
Precisaria saber se esse pessoal é preparado, se tem formação. Nos primeiros momentos de uma situação traumática, há um colapso no emocional. Perde-se o rumo, a noção de si mesmo. Não se deve obrigar a falar sobre o assunto, pelo contrário. É preciso acolher, dar um abraço, estar junto, pegar na mão.

FOLHA - Os voluntários costumam estar preparados para isso?
THOMÉ -
Voluntários hoje em dia estão preparados para dar acolhimento e, num segundo momento, estabelecer contato verbal, para a pessoa dar significado ao que sente.

FOLHA - Quanto tempo deve durar esse acompanhamento?
THOMÉ -
Não se sabe o que houve. Não há o que falar, a não ser acolher o desespero diante de um ponto de interrogação.

FOLHA - Não encontrar os corpos dificulta o luto?
THOMÉ -
Todas as vezes que você não pode enterrar o seu ente querido, de alguma forma ele não morre. Ter o corpo faz com que meu emocional realize a perda. Se não encontro, fico ligado à esperança de um dia encontrar. Se os corpos não forem localizados, as pessoas precisarão de apoio emocional, algumas de tratamento.

FOLHA - Há um "delay" entre o momento em que se recebe a notícia e que se acredita nela. Como lidar?
THOMÉ -
Isso varia de pessoa para pessoa, mas, conforme as informações são dadas, esse "delay" pode diminuir. Se há pinga-pinga [intervalos grandes entre informações], a pessoa vai fantasiando, pode adoecer mais. Mas se há dados em um ritmo que dê encadeamento ao raciocínio, ela pode se organizar mais rapidamente.

FOLHA - Detalhes das buscas aumentam o sofrimento?
THOMÉ -
Nesse momento, o protocolo é não permitir que a fantasia aumente o dado real. Temos poucos dados. A pessoa vai suportar à medida que puder suportar, senão vai desligar [a TV], não vai querer ver. Há reações de defesa para isso.

FOLHA - Situações como essa adoecem as pessoas?
THOMÉ
- Esses familiares não são doentes e não devem ser tratados como doentes. Um fato anormal alterou a vida deles e é isso o que eles estão vivendo.

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