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"Ter o corpo ajuda a encarar a perda", afirma psiquiatra
Segundo especialista em desastres, "toda vez que você não pode enterrar o seu ente querido, de alguma forma ele não morre'
Para coordenador de comissão de intervenção em desastres, momento agora é o de acolher os parentes dos passageiros desaparecidos
MARIANA BARROS
DA REPORTAGEM LOCAL
De acordo com o psiquiatra
José Toufic Thomé, coordenador da comissão técnica de intervenção em desastres e catástrofes da Associação Brasileira
de Psiquiatria, a dificuldade em
encontrar os corpos dos passageiros do Airbus-A330-200
torna mais árduo o processo de
luto dos familiares.
Ele concedeu a entrevista antes da divulgação de que dois
corpos haviam sido localizados
pela Aeronáutica, ontem.
"Toda vez que você não pode
enterrar o seu ente querido, de
alguma forma ele não morre",
diz Thomé, que prestou auxílio
a familiares de passageiros no
acidente da TAM em 2007 e
trabalha com vítimas das enchentes de Santa Catarina.
A Air France enviou ao Rio
sete médicos, sete psicólogos e
26 funcionários da companhia
-entre brasileiros e franceses- para prestar auxílio às famílias dos passageiros.
A empresa informou que esses trabalhadores são voluntários, acionados em emergências. Eles recebem três dias de
treinamento e se dispõem a
ajudar quando solicitados.
"Precisaria saber se esse pessoal é preparado", diz Thomé.
FOLHA - Como o sr. avalia a iniciativa da Air France, de oferecer ajuda
psicológica aos familiares?
JOSÉ TOUFIC THOMÉ - Precisaria
saber se esse pessoal é preparado, se tem formação. Nos primeiros momentos de uma situação traumática, há um colapso no emocional. Perde-se o
rumo, a noção de si mesmo.
Não se deve obrigar a falar sobre o assunto, pelo contrário. É
preciso acolher, dar um abraço,
estar junto, pegar na mão.
FOLHA - Os voluntários costumam
estar preparados para isso?
THOMÉ - Voluntários hoje em
dia estão preparados para dar
acolhimento e, num segundo
momento, estabelecer contato
verbal, para a pessoa dar significado ao que sente.
FOLHA - Quanto tempo deve durar
esse acompanhamento?
THOMÉ - Não se sabe o que houve. Não há o que falar, a não ser
acolher o desespero diante de
um ponto de interrogação.
FOLHA - Não encontrar os corpos
dificulta o luto?
THOMÉ -
Todas as vezes que você não pode enterrar o seu ente
querido, de alguma forma ele
não morre. Ter o corpo faz com
que meu emocional realize a
perda. Se não encontro, fico ligado à esperança de um dia encontrar. Se os corpos não forem
localizados, as pessoas precisarão de apoio emocional, algumas de tratamento.
FOLHA - Há um "delay" entre o momento em que se recebe a notícia e
que se acredita nela. Como lidar?
THOMÉ - Isso varia de pessoa
para pessoa, mas, conforme as
informações são dadas, esse
"delay" pode diminuir. Se há
pinga-pinga [intervalos grandes entre informações], a pessoa vai fantasiando, pode adoecer mais. Mas se há dados em
um ritmo que dê encadeamento ao raciocínio, ela pode se organizar mais rapidamente.
FOLHA - Detalhes das buscas aumentam o sofrimento?
THOMÉ - Nesse momento, o
protocolo é não permitir que a
fantasia aumente o dado real.
Temos poucos dados. A pessoa
vai suportar à medida que puder suportar, senão vai desligar
[a TV], não vai querer ver. Há
reações de defesa para isso.
FOLHA - Situações como essa adoecem as pessoas?
THOMÉ - Esses familiares não
são doentes e não devem ser
tratados como doentes. Um fato anormal alterou a vida deles
e é isso o que eles estão vivendo.
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