São Paulo, sábado, 07 de agosto de 2004

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LETRAS JURÍDICAS

Esperança do que seria a reforma do Judiciário

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Com a volta da normalidade do Legislativo, parece provável a retomada da reforma do Judiciário, que merece mais atenção, ainda que repetitiva. A aprovação em primeiro turno estimula a preocupação com a efetiva entrega ao povo a Justiça oficial mais rápida (com a súmula vinculante), mais disciplinada (com o Conselho Nacional de Justiça), com celeridade e transparência.
Se o projeto aprovado subsistir íntegro, apesar do período pré-eleitoral, experiências inovadoras serão postas à prova. O aprimoramento da função judiciária é fundamental para sua credibilidade. O Conselho Nacional de Justiça precisará de segmentos regionais e estaduais para nossas várias Justiças autônomas (federal, estadual, trabalhista, militar), com administrações e problemas distintos.
Reitero a convicção, manifestada mais de uma vez: a súmula vinculante deverá eliminar as numerosas questões em que o poder público (o grande congestionador do Judiciário) repete os mesmos procedimentos protelatórios ao infinito, com pretensões reiteradas, mas repelidas durante anos. Espera-se que a súmula vinculante tenha reexame obrigatório de tempos em tempos. São duas as críticas feitas ao sistema da vinculação: limita a liberdade dos juízes e engessa a aplicação da justiça, podendo permitir a influência do Poder Executivo nas questões em que predominem objetivos políticos dos governantes. Nenhuma das duas críticas terá muito peso se os temas a que a vinculação for aplicável se restringirem a matérias tributárias e previdenciárias, por exemplo, e se for impositiva a revisão.
Não há modo de assegurar a celeridade dos processos sem determinar uma contrapartida eficaz para o atraso. Os prazos já existem na lei, mas valem, na prática, apenas para advogados privados, pois, se não os respeitarem, o direito do cliente perece. Os juízes, os membros do Ministério Público e os integrantes da advocacia pública são favorecidos por regras que lhes permitem intervir no processo segundo o ritmo que lhes convenha. A disciplina nesse campo é falha. A razoabilidade da duração dos processos decorre não do número de recursos possíveis, mas do andamento lento entre os atos dos juízes (com a marcha burocratizada da máquina oficial) e da inexistência do controle de produtividade dos agentes judiciais.
A transparência, cujos princípios essenciais são previstos no projeto aprovado, será boa para a magistratura. Há julgamentos que, por exceção e nunca como regra, podem correr em segredo de Justiça, abertos apenas ao conhecimento dos interessados. A norma necessariamente compatível com a Constituição é a da transparência plena, sobretudo nas sessões administrativas em que os tribunais discutem questões de sua economia interna ou do disciplinamento de seus membros.
Já escrevi sobre a federalização dos crimes contra os direitos humanos que o projeto prevê. O debate doutrinário sobre sua conveniência é intenso, mas não é razoável conferir ao procurador-geral da República autoridade para alterar a competência para o julgamento dos acusados de tais delitos. Em termos estatísticos, sabe-se que a punição desses crimes não interfere com andamento da Justiça, conforme já manifestei em comentário anterior. No passado, a reforma do Judiciário foi vista como coisa que não era para valer. Desta feita, há a esperança de que saia. Tudo bem se sair no ano que vem.


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