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São Paulo, terça-feira, 07 de outubro de 2003

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SP 450

Incêndio, que marcou o ano de 1974, foi combatido sem equipamentos básicos de segurança, como máscaras contra gases

Tragédia do JOELMA foi a pior da cidade

Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem
Marcílio Machado Filho (ao lado), que, aos 20 anos, foi o mais novo PM a atuar no socorro às vítimas do Joelma
 
Folha Imagem/1º.fev.1974


LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Na manhã da sexta-feira 1º de fevereiro de 1974, o soldado Marcílio Machado Filho se apresentou com disposição à COE (Companhia de Operações Especiais) da PM de São Paulo. Afinal, ele era o "caçula" do grupo treinado para situações inesperadas: resgates, perseguições na selva e outras operações de risco.
Mal sabia, ao cruzar os portões do quartel, que iria participar da mais dramática operação de sua vida, o resgate às vítimas do incêndio do edifício Joelma.
A maior tragédia do gênero da história de São Paulo deixou 187 mortos e centenas de feridos, a maioria jovens bancários que trabalhavam para a empresa Crefisul, proprietária do edifício de 24 andares localizado na esquina da avenida Nove de Julho com rua Santo Antônio.
Quando o Joelma pegou fogo, ainda estava presente na lembrança a tragédia ocorrida exatamente dois anos antes no edifício Andraus, na avenida São João, no qual morreram 16 pessoas. O drama do Joelma, no entanto, seria muito pior.
O soldado Marcílio, o mais jovem a participar daquela ação, acompanhou de muito perto o desespero das vítimas. Em sua memória estão vívidas as imagens que dão bem a dimensão do desastre: pessoas acossadas pelas labaredas nos cantos das janelas do prédio, um grupo desesperado no topo, à espera do socorro dos helicópteros e, as mais chocantes, os corpos caindo no vazio.
Ficou célebre, na época, a imagem mostrada pelas TVs de um homem vestindo um terno marrom que esperou com inusitada paciência, fumando vários cigarros, o resgate que finalmente o salvou de uma marquise.
"Nós tínhamos treinamento para operações de risco", diz Marcílio, 50, morador do bairro de Perdizes e hoje atuando como advogado. "Mas nunca poderia imaginar que iria enfrentar alguma coisa naquelas proporções. Foi o momento mais dramático de toda a minha vida."
O pessoal da COE percebeu logo que a situação era muito grave quando se deparou com a falta de condições para efetuar os resgates.
"O prédio era desprovido de tudo. Não tinha escada de incêndio, não tinha um heliporto. E nós não tínhamos os equipamentos básicos, como máscaras contra gases."
Mesmo assim, ele e seus colegas subiram no edifício em chamas para o resgate de quem encontrassem pela frente, tentando alcançar aqueles que haviam conseguido chegar ao topo do prédio. Foram apenas parcialmente bem-sucedidos.
"Salvamos muita gente, mas, pelo caminho, fomos encontrando dezenas de pessoas mortas. Num banheiro trancado nos deparamos com uma cena terrível: uma pilha de corpos praticamente derretidos."
Para ele, houve dois momentos de choque profundo, para o qual treinamento algum o havia preparado. "Primeiro, foi quando cheguei ao edifício e, de cara, presenciei aquela gente se jogando lá de cima." Hoje sabe-se que pelo menos 20 pessoas saltaram, vencidas pelo desespero.
Mas o episódio mais dramático, terrivelmente inesquecível, conforme diz, ocorreu num andar em que ele e dois colegas se defrontaram com um homem prestes a pular pela janela. "Nós gritávamos para ele vir para o nosso lado, ele dizia que não, que iria pular. Havia uma barreira de fogo nos separando. Ele ainda hesitou, o fogo aumentou, e quando decidiu correr para nós foi tragado pelas chamas. Acabou morrendo em meus braços. Foi arrasador."


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