São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

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Sala de velório vira biblioteca em SP

Projeto levará 2.000 livros para o cemitério São Luiz (zona sul) e alfabetizará coveiros; inauguração será no Dia de Finados

Para professora de arquitetura e urbanismo da USP, projetos como esse podem colaborar para reduzir a criminalidade

DANIELA ALARCON
PAULO HENRIQUE RODRIGUES
RICARDO VIEL

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Brás Cubas e suas memórias póstumas estarão no cemitério São Luiz, na zona sul de São Paulo. A "autobiografia" do defunto-autor, escrita por Machado de Assis, faz parte do acervo de uma biblioteca que será inaugurada, no Dia de Finados, em uma sala de velório.
A Biblioteca do Além -como foi batizada pelo geógrafo Aziz Ab'Sáber (leia entrevista nesta página)- surge improvisada em 14 m2, mas já abriga 2.000 livros.
O espaço logo ficará pequeno. Doze pessoas, entre jardineiros e coveiros, já se inscreveram para o curso de alfabetização que será oferecido pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica) no cemitério.
"Uns cinco colegas meus não sabem ler. Eu me sinto mal, um pouco responsável por isso", diz o coveiro José Francisco da Silva, 52, que é alfabetizado.
José Nelson da Silva, 46, sepultador -é assim que eles se autodenominam- é um dos futuros alunos. "Passamos o dia todo aqui no cemitério. Será ótimo ter um lugar para ler."
Ele não concluiu o ensino fundamental, sabe ler "só um pouquinho", mas adoraria folhear jornais e revistas, algo que o orçamento não permite.
"Garis, coveiros, eles são invisíveis para a sociedade, mas exercem um trabalho muito importante", diz Devanir Amâncio, presidente da ONG Educa São Paulo, que atua na criação da biblioteca.
O espaço de leitura será mais um atrativo para o cemitério, que, por lembrar um jardim, é usado como parque nessa região de poucas praças. Marcada por um processo de ocupação desordenada, a região do Jardim São Luiz abriga moradores com baixos níveis de escolaridade e renda, expulsos da região central.
Para Sheila Ornstein, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, projetos como o da biblioteca podem colaborar para reduzir a criminalidade.
A biblioteca ainda facilitará os estudos da auxiliar de limpeza do cemitério Maria Mascilene Nascimento, 35. Aluna de um curso técnico em enfermagem, quando precisa pesquisar, é obrigada a trocar os livros pelo computador. "Toda esquina tem uma lan house, mas biblioteca é difícil por aqui", diz.
Ornstein concorda. Para ela, as dimensões da cidade tornam necessário haver mais centros culturais de pequeno porte distribuídos nos bairros.
Procurada pela Folha, a Secretaria Municipal da Cultura informou que a prefeitura não possui levantamento das bibliotecas comunitárias. Tampouco há políticas de auxílio ou parceria com essas iniciativas.


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