São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

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GILBERTO DIMENSTEIN

Apagão de trabalhadores


Não é por outro motivo que cidade de renda per capita alta convive com patamares africanos de miséria

ESTÁ EM PREPARAÇÃO , para ser lançado em 2008, o primeiro curso público destinado a formar técnicos em gestão de espetáculos. O currículo vem sendo montado com as dicas de produtores de shows, de concertos, de peças de teatro e de programas de televisão.
O Centro Paula Souza, responsável pelo ensino profissionalizante do governo de São Paulo, está acertando uma parceria com a TV Cultura para a criação do curso, a ser ministrado no Parque da Juventude, no Carandiru, onde antes funcionava a Casa de Detenção. Há um plano para concentrar ali cursos focados nas mais diversas áreas da cultura (montagem de exposições, restauração de quadros, cenografia, iluminação e figurino, por exemplo).
Pela sondagem das empresas, sabe-se que a chance de um técnico em espetáculo obter um emprego supera os 80%. Essa alta porcentagem mostra um apagão de trabalhadores, verificada na crescente falta de mão-de-obra qualificada.

 

Em alguns casos, a taxa de empregabilidade excede os 80%. Tome-se o caso do álcool. Com a explosão desse mercado, muitas usinas se vêem obrigadas a recorrer até mesmo aos aposentados. Em parceria com o Conselho Regional de Química e entidades governamentais, empresários lançaram, neste ano, um curso técnico de nível médio para a produção sucroalcooleira. As aulas práticas são ministradas nas próprias usinas. Resultado: as vagas estão apenas esperando os formandos. O apagão de trabalhadores qualificados é generalizado.
 

A CNI (Confederação Nacional da Indústria) acaba de lançar o mais completo levantamento sobre capacitação profissional no país, baseado em entrevistas com empresários: 56% deles revelaram sofrer com a falta de mão-de-obra qualificada.
As maiores reclamações ocorrem, segundo o estudo, nas atividades de álcool (76%), vestuário (75%), indústrias extrativas (71%), máquinas e equipamentos (70%) e veículos automotores (67%).
 

A Companhia Vale do Rio Doce tenta há anos sensibilizar prefeitos, governadores, reitores e secretários da Educação para criar programas que gerem profissionais dos mais diferentes níveis, dos básicos até pós-doutorados, aptos a trabalhar na empresa. Como não consegue arregimentar trabalhadores nas áreas em que tem negócios, a empresa chama gente de outras cidades e não estimula o desenvolvimento local.
Esse é exatamente o mesmo drama da Petrobras, que vê limitações em expandir seus negócios e, a toque de caixa, vem oferecendo diversos cursos para dar conta das novas descobertas de gás e petróleo.
Não é por outro motivo que cidades com índices altíssimos de renda per capita convivem com patamares africanos de miséria.
 

Por desinformação, a maioria dos jovens ainda acredita que o melhor caminho para o emprego são as faculdades tradicionais e, iludida, acaba em arapucas. Basta ver as notas desses cursos -ou ainda a reprovação dos alunos de direito no exame da Ordem dos Advogados do Brasil.
Buscar vagas em cursos técnicos ou tecnológicos nem sequer faz parte dos movimentos de inclusão social, mais empenhados em conquistar cotas nas universidades públicas.
Para completar a insanidade, muitos desses cursos são apoiados com bolsas públicas do Prouni.
 

A boa notícia é o aumento de consciência das autoridades diante do apagão dos trabalhadores. Começam a ser esboçadas interessantes soluções, além da ampliação de escolas exclusivamente técnicas. Empresas estão ajudando a vitaminar o currículo tradicional do ensino médio público, agregando a ele a oferta de programas profissionalizantes.
É o que ocorre, por exemplo, numa escola estadual em Recife, próxima ao porto digital, onde uma empresa de telefonia implantou a Fábrica de Jogos. O objetivo é formar técnicos especializados em videogames que funcionam em celulares para que criem jogos educativos a serem usados nas escolas.
Em projetos pilotos bancados pelo governo federal, nota-se que fazer com que a escola tradicional se volte para o mercado de trabalho -não necessariamente o ensino médio, mas sobretudo a educação de jovens e adultos-, é um poderoso estímulo ao aprendizado.
O governo de São Paulo quer tirar proveito do fato de que muitas de suas escolas têm espaço ocioso à tarde ou à noite e oferecer cursos técnicos semipresenciais, apelando para os recursos da educação à distância.
De quebra, seria estabelecido, nessas escolas, ensino em tempo integral, com a vantagem de que o jovem teria uma chance maior de emprego.
 

Há uma lista de motivos para se revoltar com a situação social. Certamente no topo da lista está a coexistência de desemprego de jovens, miséria e alta concentração de renda com o apagão de trabalhadores.
É algo que se compara em estupidez com alguém que não mata a sede apesar de estar em frente a uma fonte de água potável.
 

PS - Além de um painel geral sobre o ensino técnico no Brasil, coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) o detalhamento da experiência da Fábrica de Jogos.

gdimen@uol.com.br


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