São Paulo, domingo, 07 de novembro de 2004

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BELEZA FATAL

Anvisa lançou alerta sobre uso dermatológico de medicamento que foi aprovado para câncer da próstata

Remédio contra acne é associado a 4 mortes

Renato Stockler/Folha Imagem
ILESA Sem saber dos riscos, a jornalista Adriana Costa, 30, usou por três meses flutamida, em 2003, para tratar de acne e decidiu parar porque não viu resultados na terapia; hoje, está grávida de 6 meses


CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Um medicamento que não tem indicação para uso dermatológico, embora seja prescrito por muitos dermatologistas brasileiros para tratamento de acne, queda de cabelo e excesso de pêlo em mulheres, está associado a pelo menos quatro mortes de mulheres nos últimos dois anos.
Todas as vítimas tinham algo em comum: eram mulheres jovens -entre 20 e 35 anos-, saudáveis e que utilizavam na ocasião da morte a flutamida, um antiandrogênico aprovado no país apenas para o tratamento do câncer da próstata em estágio avançado.
Substância muito eficaz no tratamento hormonal, a flutamida possui um efeito degradante no fígado, podendo levar a um quadro em que o fígado perde toda a função (hepatite fulminante). A única chance é um transplante de fígado em até 72 horas.
Quando ingerida durante a gravidez, a droga pode causar danos ao feto: desde um aborto até o impedimento do desenvolvimento da genitália masculina. Porém, entre os dermatologistas, a flutamida é apontada como uma droga eficaz, se usada corretamente.
A própria Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que lançou recentemente um alerta sobre as mortes, admite que pode haver mais casos de falência hepática que não foram notificados por médicos ou familiares.
Segundo Patrícia de Figueiredo, técnica da unidade de farmacovigilância da Anvisa, as vítimas usavam o remédio para acne e alopécia (calvície feminina).
Ano passado, Figueiredo fez um levantamento com cem dermatologistas brasileiros (há pelo menos 5.000 no país) e verificou que a maioria deles utiliza o medicamento respaldados em pelo menos 25 estudos realizados nos exterior que apontam uma suposta eficácia ou segurança da droga.
O problema, segundo ela, é que esses estudos, do ponto de vista científico, são falhos especialmente porque avaliam grupos pequenos de pessoas -entre 50 e 60.
Mesmo prescrevendo um remédio não-aprovado, os médicos não infringem nenhuma norma da Anvisa. "O profissional tem a liberdade de prescrever o composto, mas é responsável por isso e por alertar os pacientes", diz.
De acordo com Márcio Rutowidsch, presidente da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia), há dois anos, com a notícia das primeiras mortes, a entidade vem alertando os associados, durante congressos e aulas, a não prescreverem mais a flutamida.
Mas, apesar do alerta, de dez dermatologistas ouvidos pela Folha, pelo menos oito continuam receitando a flutamida. Para Rutowidsch, é "impossível" a SBD controlar os 5.000 médicos associados. "Não é nem competência da sociedade fiscalizar o médico. Esse é um problema do profissional com o paciente", diz.
A mesma tolerância, porém, não ocorre no âmbito do CRM (Conselho Regional de Medicina), garante o presidente da regional paulista do conselho, Clovis Francisco Constantino.
Segundo ele, o uso de remédio. sem comprovação científica para um fim específico, e sem aprovação no órgão regulador (no caso, a Anvisa), constitui em infração ao código de ética médica. Ele afirma que o CRM está investigando denúncias sobre o uso da flutamida na dermatologia.

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