São Paulo, domingo, 07 de novembro de 2004

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EDUCAÇÃO NO BRASIL

Economista Gustavo Ioschpe defende cobrança de anuidade em universidade e fim de renúncia fiscal

Autor propõe que rico pague ensino público

DA REPORTAGEM LOCAL

Aos 27 anos, mestre em economia internacional e desenvolvimento econômico pela Universidade Yale, o economista Gustavo Ioschpe é autor de um ambicioso diagnóstico sobre a educação brasileira, a partir do qual propõe uma espécie de programa de salvação nacional, baseado na revolução escolar. Ioschpe sabe que mexe no vespeiro das idéias estabelecidas, mas bate de frente. "A cobrança de anuidades escolares dos alunos abastados nas universidades públicas é uma questão de justiça social", diz.
Em 1997, em sua coluna semanal no caderno Folhateen, da Folha, Ioschpe abordou o tema, defendendo a mesma tese. Segundo seu próprio testemunho, "nenhum outro escrito provocou uma invectiva tão visceral e intransigente quanto aquele. A histeria da reação me fez crer que havia ali um nervo exposto, que merecia ser escarafunchado". Foi.
O economista acaba de lançar o livro "A Ignorância Custa um Mundo - O Valor da Educação no Desenvolvimento do Brasil" (W11 Editores, 324 páginas, R$ 45). Nada menos do que 317 fontes foram cotejadas com o objetivo de estabelecer o peso da variável educacional no desenvolvimento das nações, em particular o Brasil. Desse caldo grosso de dados empíricos, Gustavo Ioschpe derivou suas propostas.
A Folha promoveu no dia 28 de outubro um debate sobre o livro de Ioschpe. Na mesa, estavam o reitor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Carlos Henrique de Brito Cruz, o economista Ricardo Henriques, secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação, além do autor. O mediador foi o jornalista Gilberto Dimenstein, membro do Conselho Editorial da Folha.

Escolaridade e renda
O ponto de partida do livro é a quantificação dos benefícios da escola sobre o indivíduo e as nações. Dados empíricos mostram que um ano a mais de escolaridade resulta, na média, em um incremento de 10% na renda de uma pessoa. E que um ano a mais na escolaridade de uma população resulta em um ganho de 8% a 10% na economia de um país.
"O impacto da educação tomada isoladamente sobre o crescimento econômico de um país é enorme", afirma o autor, para, em seguida, identificar e atribuir valores ao que anda errado com a escola brasileira.
Só na renúncia fiscal representada pela dedução no Imposto de Renda do pagamento de mensalidades escolares, o Brasil perde R$ 6,61 bilhões anuais (dado de 2001). Outros R$ 3 bilhões o país deixa de arrecadar ao não cobrar anuidades dos alunos de alto poder aquisitivo das universidades públicas. "Isso seria suficiente para bancar 3 milhões de alunos no ensino médio", afirma Ioschpe.
A obsessão do autor com os números resulta de ele saber dos entraves corporativistas que existem para o enfrentamento com sucesso do dilema educacional brasileiro. Em sua plataforma, Ioschpe defende o imediato cancelamento da renúncia fiscal representada pelas mensalidades escolares que o Estado brasileiro subsidia. Cita o pesquisador da UnB (Universidade de Brasília) Messias Costa para defender a tese.
"Tanto as crianças pobres como as ricas acabam recebendo ensino gratuito (o que não é errado), havendo, porém, a diferença de que as primeiras recebem uma educação de qualidade baixa, enquanto as segundas recebem educação de boa qualidade", diz Costa.
É previsível a grita da classe média contra o cancelamento da renúncia fiscal, que a beneficia. Ioschpe sabe que está comprando briga quando afirma que "esse subsídio é mais um capítulo da longa história do favorecimento das classes média e alta pelo governo brasileiro".

Universidade gratuita
Também versa sobre favorecimentos a crítica de Ioschpe à gratuidade do ensino superior. O argumento: metade dos alunos das universidades federais veio do ensino privado, ou 250 mil estudantes. Se o aluno ou sua família foram capazes de pagar pelo ensino no nível médio (ainda que com as isenções fiscais), eles podem pagar pelo menos o mesmo no ensino universitário.
Mais do que condições para pagar, no entanto, trata-se, segundo Ioschpe, de uma questão de justiça. Os cursos mais concorridos são freqüentados por alunos com o dobro da renda daqueles que freqüentam os cursos de fácil ingresso. E são justamente os alunos dos cursos mais concorridos (aqueles que abrem portas para o mercado de trabalho) os mais beneficiados em termos de salários pós-universidade. Tem-se assim, segundo o autor, uma roda da fortuna, que beneficia sem limites quem já é mais favorecido.
Aos que criticam sua proposta, por entender que ela atenta contra o caráter público das universidades federais, Ioschpe afirma: "A cobrança de anuidades não torna a universidade menos pública, assim como a gratuidade hoje existente não a torna menos privatista na estreiteza dos interesses que preserva".
Os recursos auferidos, na proposta de Ioschpe, deveriam ser alocados na manutenção e desenvolvimento do ensino básico e na valorização do magistério, segundo novos critérios.
A idéia não é inundar de recursos o ensino básico, mas forçar a alocação de verbas nos programas educacionais de Estados e municípios que conseguirem provar redução nas taxas de evasão e repetência, bem como melhoria na performance de seus alunos no exame do Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica).
O Saeb avalia por amostragem a performance de alunos da 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e da 3ª série do ensino médio, que fazem provas de língua portuguesa e de matemática. Em 2003, o Saeb mostrou que, em português, por exemplo, menos de 10% dos alunos tinham conhecimentos adequados à série que cursavam.
"Hoje, existe um incentivo perverso, que premia os Estados e municípios que menos investem em educação, aumentando a parcela de recursos que eles recebem do governo federal. É preciso inverter essa lógica", diz Ioschpe.

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