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EDUCAÇÃO NO BRASIL
Economista Gustavo Ioschpe defende cobrança de anuidade em universidade e fim de renúncia fiscal
Autor propõe que rico pague ensino público
DA REPORTAGEM LOCAL
Aos 27 anos, mestre em economia internacional e desenvolvimento econômico pela Universidade Yale, o economista Gustavo
Ioschpe é autor de um ambicioso
diagnóstico sobre a educação brasileira, a partir do qual propõe
uma espécie de programa de salvação nacional, baseado na revolução escolar. Ioschpe sabe que
mexe no vespeiro das idéias estabelecidas, mas bate de frente. "A
cobrança de anuidades escolares
dos alunos abastados nas universidades públicas é uma questão de
justiça social", diz.
Em 1997, em sua coluna semanal no caderno Folhateen, da Folha, Ioschpe abordou o tema, defendendo a mesma tese. Segundo
seu próprio testemunho, "nenhum outro escrito provocou
uma invectiva tão visceral e intransigente quanto aquele. A histeria da reação me fez crer que havia ali um nervo exposto, que merecia ser escarafunchado". Foi.
O economista acaba de lançar o
livro "A Ignorância Custa um
Mundo - O Valor da Educação no
Desenvolvimento do Brasil" (W11
Editores, 324 páginas, R$ 45). Nada menos do que 317 fontes foram
cotejadas com o objetivo de estabelecer o peso da variável educacional no desenvolvimento das
nações, em particular o Brasil.
Desse caldo grosso de dados empíricos, Gustavo Ioschpe derivou
suas propostas.
A Folha promoveu no dia 28 de
outubro um debate sobre o livro
de Ioschpe. Na mesa, estavam o
reitor da Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas), Carlos
Henrique de Brito Cruz, o economista Ricardo Henriques, secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação, além do autor. O mediador foi o jornalista
Gilberto Dimenstein, membro do
Conselho Editorial da Folha.
Escolaridade e renda
O ponto de partida do livro é a
quantificação dos benefícios da
escola sobre o indivíduo e as nações. Dados empíricos mostram
que um ano a mais de escolaridade resulta, na média, em um incremento de 10% na renda de
uma pessoa. E que um ano a mais
na escolaridade de uma população resulta em um ganho de 8% a
10% na economia de um país.
"O impacto da educação tomada isoladamente sobre o crescimento econômico de um país é
enorme", afirma o autor, para, em
seguida, identificar e atribuir valores ao que anda errado com a
escola brasileira.
Só na renúncia fiscal representada pela dedução no Imposto de
Renda do pagamento de mensalidades escolares, o Brasil perde R$
6,61 bilhões anuais (dado de
2001). Outros R$ 3 bilhões o país
deixa de arrecadar ao não cobrar
anuidades dos alunos de alto poder aquisitivo das universidades
públicas. "Isso seria suficiente para bancar 3 milhões de alunos no
ensino médio", afirma Ioschpe.
A obsessão do autor com os números resulta de ele saber dos entraves corporativistas que existem
para o enfrentamento com sucesso do dilema educacional brasileiro. Em sua plataforma, Ioschpe
defende o imediato cancelamento
da renúncia fiscal representada
pelas mensalidades escolares que
o Estado brasileiro subsidia. Cita
o pesquisador da UnB (Universidade de Brasília) Messias Costa
para defender a tese.
"Tanto as crianças pobres como
as ricas acabam recebendo ensino
gratuito (o que não é errado), havendo, porém, a diferença de que
as primeiras recebem uma educação de qualidade baixa, enquanto
as segundas recebem educação de
boa qualidade", diz Costa.
É previsível a grita da classe média contra o cancelamento da renúncia fiscal, que a beneficia.
Ioschpe sabe que está comprando
briga quando afirma que "esse
subsídio é mais um capítulo da
longa história do favorecimento
das classes média e alta pelo governo brasileiro".
Universidade gratuita
Também versa sobre favorecimentos a crítica de Ioschpe à gratuidade do ensino superior. O argumento: metade dos alunos das
universidades federais veio do ensino privado, ou 250 mil estudantes. Se o aluno ou sua família foram capazes de pagar pelo ensino
no nível médio (ainda que com as
isenções fiscais), eles podem pagar pelo menos o mesmo no ensino universitário.
Mais do que condições para pagar, no entanto, trata-se, segundo
Ioschpe, de uma questão de justiça. Os cursos mais concorridos
são freqüentados por alunos com
o dobro da renda daqueles que
freqüentam os cursos de fácil ingresso. E são justamente os alunos
dos cursos mais concorridos
(aqueles que abrem portas para o
mercado de trabalho) os mais beneficiados em termos de salários
pós-universidade. Tem-se assim,
segundo o autor, uma roda da fortuna, que beneficia sem limites
quem já é mais favorecido.
Aos que criticam sua proposta,
por entender que ela atenta contra o caráter público das universidades federais, Ioschpe afirma: "A
cobrança de anuidades não torna
a universidade menos pública, assim como a gratuidade hoje existente não a torna menos privatista
na estreiteza dos interesses que
preserva".
Os recursos auferidos, na proposta de Ioschpe, deveriam ser
alocados na manutenção e desenvolvimento do ensino básico e na
valorização do magistério, segundo novos critérios.
A idéia não é inundar de recursos o ensino básico, mas forçar a
alocação de verbas nos programas educacionais de Estados e
municípios que conseguirem
provar redução nas taxas de evasão e repetência, bem como melhoria na performance de seus
alunos no exame do Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica).
O Saeb avalia por amostragem a
performance de alunos da 4ª e 8ª
séries do ensino fundamental e da
3ª série do ensino médio, que fazem provas de língua portuguesa
e de matemática. Em 2003, o Saeb
mostrou que, em português, por
exemplo, menos de 10% dos alunos tinham conhecimentos adequados à série que cursavam.
"Hoje, existe um incentivo perverso, que premia os Estados e
municípios que menos investem
em educação, aumentando a parcela de recursos que eles recebem
do governo federal. É preciso inverter essa lógica", diz Ioschpe.
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