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53 DIAS DE CATIVEIRO
Publicitário relata artifícios usados para manter seu controle emocional
O guia de sobrevivência de Olivetto
ALESSANDRO SILVA
CHICO DE GOIS
PALOMA COTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Foram 53 dias sem conversar
com ninguém. Luz e som altos o
tempo inteiro, num cubículo de 1
metro por 2,5 metros, sem janela.
Apenas um caderno para escrever, livros e revistas por negociar e
nomes de pessoas queridas na parede para lembrar de coisas boas.
Essa foi a vida do publicitário
Washington Olivetto, 50, no período em que esteve no cativeiro.
Ontem, cinco dias após sua libertação, Olivetto trouxe a público detalhes de como enfrentou a
tensão, o medo de morrer e a solidão. Para minimizar tudo isso,
criou para si um manual de sobrevivência. ""Você tem que inventar
o dia. O difícil de estar em uma situação dessas é a relação com o
tempo." E ele nunca a perdeu,
apesar de não ver o dia e a noite.
Primeiro, contou o tempo pela
duração dos CDs que ouvia, depois pelo banho -recebia um
balde com água a cada quatro
dias- e, por fim, apalpando o
pão para saber se era novo e se os
sequestradores não tinham invertido seus horários de refeição.
Anotou poemas que conhecia
de memória, obras de arte que
gostava, travou uma batalha de
cartas com os sequestradores, escreveu suas memórias no cárcere
e até terminou a pauta de um livro
sobre o Corinthians, plano que tinha antes do crime. Tudo para
não ficar com a mente ociosa.
Ontem, foi a primeira vez que
ele saiu de casa depois que foi colocado em liberdade. No caminho
para a entrevista, passou pelo local onde foi sequestrado, na praça
Marechal Cordeiro de Farias, região central de São Paulo. Ele afirmou que sentiu medo, mas
aguentou bem. "O Gabriel [Gabriel Zellmeister, sócio do publicitário na agência W/Brasil" não fez
de propósito."
Um forte esquema de segurança, que contou com a escolta de
dez policiais da Divisão Anti-Sequestro, marcou a entrevista coletiva. Olivetto chegou ao auditório
da Faap às 10h03 acompanhado
do delegado Wagner Giudice, da
Divisão Anti-Sequestro, a quem
classificou de "meu novo amigo
de infância", e de André Midani,
amigo de muito tempo.
Vestia uma camiseta preta e
emocionou-se quando contou o
momento em que os quatro policiais militares o libertaram. Mas
também procurou demostrar
descontração em outras ocasiões.
A entrevista acabou às 11h18 e foi
acompanhada por aproximadamente 200 jornalistas, alguns deles chilenos.
Olivetto narrou o que lhe aconteceu antes de responder as perguntas. Disse que se deu conta de
que a blitz da suposta Polícia Federal era falsa ao notar que havia
uma desproporcionalidade nas
letras dos coletes dos homens que
pararam seu carro.
Quando chegou ao cativeiro, verificou que, atrás da porta, como
se fosse num hotel, havia um comunicado com as normas que teria de seguir durante sua estada:
não poderia falar, deveria fazer
exercícios físicos e não era permitido fazer barulho nas paredes.
Enquanto permaneceu confinado, ele não ouviu a voz de nenhum dos sequestradores e o primeiro som que lhe chegou quando conseguiu abrir um pouco a
porta do cativeiro para pedir ajuda foi o latido de um cachorro.
Paradoxalmente, foi no sábado,
dia 2, antes de ser libertado, que
ele sentiu mais medo da morte. Isso porque, pela primeira vez, como relembrou, a música e a luz foram cortadas e também o sistema
de ventilação que fazia o ar circular no cativeiro. Somente quando
conseguiu abrir uma fresta e perceber que estava sendo ouvido é
que ele se acalmou.
Ontem, Olivetto chegou a fazer
uma versão livre da frase de Che
Guevara, um dos líderes da Revolução Cubana, que dizia "hay que
endurecer, pero perder la ternura
jamás!". Para o publicitário, que
disse enfrentar muita disputa em
sua profissão, não se pode "perder a doçura" das pessoas.
Questionado sobre sua segurança pessoal, Olivetto afirmou
que este é um momento de cautela, mas não especificou que tipo
de medidas irá tomar. "Possivelmente as minhas relações com segurança pessoal talvez se alterem
a médio prazo."
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