São Paulo, sexta-feira, 08 de fevereiro de 2008

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Glicose baixa aumenta risco cardíaco em diabéticos tipo 2

Pesquisa mostra que redução acentuada de açúcar no sangue pode causar infarto

Estudo dos EUA surpreendeu a comunidade científica, que acreditava que manter a taxa de glicose bem reduzida era benéfico ao coração

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Um estudo com 10 mil diabéticos tipo 2, conduzido por um órgão de saúde do governo norte-americano, mostrou que reduzir muito a taxa de açúcar no sangue pode aumentar o risco de morte por eventos cardíacos, e não preveni-los, como se pensava. Estima-se que no Brasil haja 11 milhões de diabéticos, a maioria tipo 2 (o país tem 190 milhões de habitantes).
No estudo "Accord", o maior do gênero já feito, um grupo de diabéticos teve o controle glicêmico mantido (por remédios) na taxa média de 6,4% (de hemoglobina glicada, que reflete o grau de controle da glicemia nos últimos três meses). No outro, a taxa média foi de 7,5%. Verificou-se que no primeiro grupo morreram 54 pacientes a mais do que no segundo.
Em razão do aumento inesperado de mortes, os pesquisadores interromperam parte do estudo que envolvia o controle glicêmico mais intenso e que seguiria até junho de 2009.
Hoje, a maioria dos consensos médicos, inclusive brasileiros, preconiza uma taxa média de hemoglobina glicada de 6,5%. Os resultados surpreenderam a comunidade científica. "Por anos nós temos falado sobre os benefícios de se manter as taxas de açúcar muito baixas", afirmou à Folha James Dove, presidente do Colégio Americano de Cardiologia.

Pressão da indústria
Segundo o cardiologista Bráulio Luna Filho, da sociedade paulista de cardiologia e conselheiro do Cremesp (conselho regional de medicina paulista), até hoje, pensava-se que um controle glicêmico rígido poderia reduzir o risco de infartos. "Esse estudo, muito bem-feito, demonstra que esse raciocínio não funciona mais."
Para ele, há hoje uma crescente pressão da indústria farmacêutica para vender drogas que reduzam cada vez mais os índices glicêmicos.
"Muitas vezes os valores de normalidade entram na prática médica sem ter muito estudo mostrando a eficácia e a segurança disso. Os laboratórios usam dados favoráveis de estudos envolvendo análises de subgrupos [de pacientes envolvidos em estudos maiores] para vender remédio."
Luna Filho diz que até agora o único risco conhecido de um controle glicêmico mais agressivo era a hipoglicemia -taxa de glicose no sangue abaixo da normal que pode resultar em sensação de fraqueza, cansaço, sudorese exagerada e até perda de consciência. "Ninguém nunca tinha demonstrado o risco de mortalidade."
Para o endocrinologista da Unicamp Marcos Tambascia, da Sociedade Brasileira de Diabetes, o estudo não deixa claro se todas as variáveis para riscos cardiovasculares, fora o nível glicêmico, foram bem controladas. Luna Filho, que teve acesso à integra do estudo, diz que houve esse cuidado.
"A chance de uma pessoa ter um infarto depende de vários fatores, um deles é o controle da glicemia. Mas depende também da pressão arterial, do peso, do colesterol, se é fumante etc. Não sabemos ainda se esses outros fatores foram bem controlados, apesar de ser um estudo muito sério."
Ele acredita que a maioria dos médicos brasileiros evita reduzir muito os níveis glicêmicos dos diabéticos por conta do risco de hipoglicemia. "No paciente que usa insulina, por exemplo, quanto mais baixa a glicemia, maior é o risco de hipoglicemia." Por isso, diz ele, os médicos não preconizam um controle glicêmico rigoroso em crianças e idosos, por exemplo.
Ele recomenda que os pacientes não interrompam ou mudem o tratamento sem recomendação médica. O descontrole glicêmico no paciente diabético leva a complicações como cegueira e amputações.


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