São Paulo, domingo, 8 de fevereiro de 1998

Próximo Texto | Índice

Estatuto proíbe, mas policial usa brecha legal para ter empresa

da Reportagem Local

Antonio Gaudério/Folha Imagem
Prédio em que o delegado Miguel Gonçalves Pacheco e Oliveira tem apartamento avaliado em R$ 700 mil


O estatuto do funcionalismo público do Estado de São Paulo veta em seu artigo 243 qualquer tipo de trabalho fora das repartições.
Segundo o inciso IV do artigo 243, é proibido "exercer, mesmo fora das horas de trabalho, emprego ou função em empresas, estabelecimentos ou instituições que tenham relações com o governo, em matéria que se relacione com a finalidade da repartição ou serviço em que esteja lotado".
A interpretação seca desse artigo proibiria PMs e delegados, encarregados de cuidar da segurança pública, de participar de empresas de segurança privada. A matéria das duas atividades é segurança.
A Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo, que regula o funcionamento das Polícias Civil e Militar, proíbe em seu artigo 63, inciso LIV, "exercer, mesmo nas horas de folga, qualquer outro emprego ou função". Há duas exceções: policiais podem dar aulas e participar de atividades de difusão cultural "quando compatível com a atividade policial".
Há uma brecha na legislação, porém. A própria Lei Orgânica da Polícia veta ao policial "exercer comércio ou participar da sociedade comercial, salvo como acionista, cotista ou comanditário".
Acionista é o sócio que tem ações na empresa. Cotista é aquele que tem cotas e costuma fazer retiradas anuais a partir do lucro do negócio. Comanditário é o sócio que entra só com capital e não participa da gestão.
O advogado Celso Antonio Bandeira de Mello, professor da PUC-SP especializado em direito público, diz que o fato de um policial ter uma empresa não significa que ele burla o estatuto.
Mas nota "uma incompatibilidade entre o exercício de atividades correlatas com a função pública". Seria como um funcionário do Banco Central ter participação em uma corretora ou banco.
O advogado Adilson Dallari, professor-titular da PUC-SP de direito administrativo, vai mais longe: "Acho que isso (policiais que têm empresas de segurança) caracteriza tráfico de influência".
O tráfico seria caracterizado pelo fato de o policial se valer do cargo para obter clientes.
Dallari diz que a figura de sócio cotista é facilmente burlada porque é difícil saber se o funcionário gerencia ou não o negócio.
"Pelo que eu tenho notícia, essas pessoas cuidam efetivamente dessas empresas. Elas exercem a gerência de fato, o que caracterizaria transgressão ao estatuto".
A pena para a transgressão ao estatuto pode ser de suspensão, multa ou demissão. (MCC)





Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.