São Paulo, domingo, 08 de maio de 2005

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DANUZA LEÃO

Considerações sobre Severino

Conheci há uns dias o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, e formei umas opiniões sobre ele. É natural: sempre que se conhece uma pessoa se "acha" alguma coisa dela.
Severino é simpático. Parece ser alguém que mora no mato e que, quando aparece de vez em quando para fazer uma visita, sua chegada deve ser sempre uma alegria; por ser rude, mais velho e viver à margem da civilização, acha e fala o que quer, e todo mundo morre de rir. Uma figura folclórica, digamos.
Não é um homem mau: está sempre pronto a ajudar, seja dando dinheiro a quem precisa de um remédio (deve tirar as notas do bolso sem nem contar quanto está dando), uma dentadura, um burro para puxar uma carroça.
Deve também fazer o que pode para arranjar uma "colocação" para um afilhado ou uma vaga na escola para uma criança, e como faz muitos favores, tem sempre a quem recorrer para dar uma driblada na lei, o que acha muito natural. Por dizer o que pensa, muitos acham que Severino é legal: não é hipócrita e faz o que todo mundo faz, só que não esconde.
Vide o que ele fez por seu amigo, o deputado Carimbão (contado por ele): forçou um convite para levá-lo ao jantar na embaixada do Brasil na Itália, conseguiu apresentá-lo ao presidente Lula, e mais: que ele voltasse ao Brasil no avião presidencial. Algum dia Carimbão vai negar alguma coisa a Severino? É claro que não.
Emprega parentes e amigos com excelentes salários, e no passado chegou a ter 14 lojas; de tanto fazer o bem, perdeu todas e ainda gastou toda a herança de sua mulher. Mas foi compensado tendo sido eleito várias vezes; quanto mais favores fizer, mais certo é que vai continuar ganhando as eleições: o povo é grato a quem o ajuda.
Só existe um pequeno porém: o que fazia com o seu próprio dinheiro -por isso perdeu tudo e é deputado há tanto tempo, mas valeu- agora faz, sem a menor cerimônia, com o dinheiro da nação -e com o prestígio que adquiriu a partir dos seus favores.
Na sabatina da Folha, na última segunda-feira, soubemos (contado por ele) que havia sido escolhida uma delegação de seis deputadas para uma reunião na ONU, mas quando ele viu os nomes, se recusou a assinar a autorização. A razão? Porque, segundo ele, todas aquelas deputadas já haviam viajado ao exterior. Foram então escolhidas seis outras, por um critério seu, aliás muito humano: elas nunca haviam saído do país. Algum dia essas seis deputadas vão deixar de votar no que Severino pedir ou mandar? Nunca.
Dentro da Câmara, quem é amigo dele é amigo do rei. Mas o Brasil não é o quintal da casa de Severino, como não é o quintal da casa de Lula nem pode ser de nenhum futuro presidente. O Brasil é meu, é seu, é nosso, e não tem cabimento que parentes sejam empregados e deputadas mandadas para Nova York para o presidente da Câmara ficar cada vez mais poderoso com seus favorezinhos. É um comportamento primitivo, mas é assim que funcionam os Severinos.
Existem parlamentares que são conscientes do mal que isso pode fazer ao país. Não sei quantos eles são, mas tremo à idéia de que sejam uma minoria -afinal, ele foi eleito presidente da Câmara com mais de 300 votos. A cassação de André Luiz até que deu uma certa esperança, mas logo em seguida o pai do secretário de Severino foi indicado -por seus amigos deputados- para o Conselho Nacional de Justiça, onde Severino agora já tem um pé.
A democracia brasileira precisa ser aperfeiçoada ou mais vigiada; pessoas como Severino são engraçadas, com suas opiniões esdrúxulas, mas só numa mesa de botequim em João Alfredo.
Porque são mais perigosas do que parecem e não deveriam poder se candidatar a nada.


E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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