São Paulo, terça-feira, 08 de junho de 2004

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SAÚDE

Governo poderia ampliar oferta gratuita de remédios; para especialistas, programa inaugurado ontem é excludente

Farmácias de Lula dobrariam verba do SUS

FABIANE LEITE
FABIO SCHIVARTCHE
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo federal inaugurou ontem em quatro capitais as primeiras 17 unidades do Farmácia Popular, programa de venda de medicamentos a preços mais baixos que os de mercado, introduzido na campanha eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2002 pelo marqueteiro Duda Mendonça. Atraso nas obras impediu a abertura de uma das seis unidades de Salvador.
Os R$ 330 milhões que o governo federal pretende gastar neste ano no programa seriam suficientes para quase duplicar os incentivos da União para a assistência farmacêutica básica e gratuita, levando-se em conta o que foi aplicado no setor no ano passado, R$ 173,9 milhões.
Para especialistas, esse é um dos pontos polêmicos do programa. Questionam a razão de o governo investir em uma iniciativa considerada excludente -para ter acesso é preciso pagar -em vez de reforçar a rede pública gratuita de distribuição.
"Vou falar de uma questão mais profunda. Onde passa boi, passa boiada. Estão quebrando o princípio da universalidade, da gratuidade do SUS [Sistema Único de Saúde]", afirma ainda o sanitarista Gilson Carvalho, que vê risco do co-pagamento introduzido no programa ser expandido para outras áreas da saúde.
Qualquer pessoa que tenha uma receita médica -da rede pública ou privada- pode comprar o medicamento com desconto nas unidades do Farmácia Popular.
Hoje, há 84 itens, como analgésicos, antialérgicos, antibacterianos, antiinfecciosos, antiparasitários e dermatológicos, além dos remédios para doenças crônica, especialmente para hipertensão e diabetes. A lista será regionalizada e ampliada ainda neste ano.
O governo federal estima que cerca de 750 mil pessoas utilizarão as Farmácias Populares por mês em todo o país, nesta primeira etapa. Para o Ministério da Saúde, o público-alvo são as que já compram medicamentos na rede privada, mas nem sempre têm condições de manter um tratamento até o fim devido aos altos preços.
São Paulo, o município mais beneficiado com o Farmácia Popular, recebeu dez unidades ontem. Serão mais dez no próximo mês, afirmou a prefeita Marta Suplicy (PT), que participou por videoconferência da cerimônia de inauguração nacional.
A previsão do governo federal é abrir cem unidades em todo o país até o final deste ano, priorizando capitais de regiões metropolitanas, disse Dirceu Barbano, coordenador de serviços farmacêuticos do ministério.
Além dos remédios mais baratos -com descontos de até 85%-, o Farmácia Popular também subsidiará (em cerca de 50%) na rede privada, a partir de dezembro, a compra de 12 medicamentos usados no tratamento de hipertensão e diabetes, doenças crônicas que atingem mais de 14 milhões de brasileiros.
Destes, 10,4 milhões já recebem medicamentos do SUS. A intenção do governo é agregar outros 3,6 milhões de pessoas. O subsídio foi a saída depois que a indústria farmacêutica recusou "participar" do programa da maneira que o governo queria.
"O que tem de positivo é que pode facilitar o acesso. Mas os 50 milhões que não têm dinheiro para comprar continuarão sem conseguir adquirir os remédios", afirmou ontem Ciro Mortella, presidente-executivo da Febrafarma, federação que reúne a indústria farmacêutica, entidade com a qual o governo tentou, sem sucesso, negociar uma redução de preços nos remédios fornecidos ao programa. O Ministério da Saúde chegou a estudar uma troca -os governos estaduais reduziriam o ICMS e as indústrias diminuiriam a margem de lucro.
"Essa troca não existe. A indústria não ganharia nada com essa redução", diz Mortella.
"O projeto propõe a venda mais barata. Para isso, já existem os genéricos, que são entre 40% e 70% mais baratos e beneficiaram muito uma camada que, apesar das dificuldades, pode pagar por um medicamento", afirma Vera Valente, diretora-executiva da Pro-Genéricos, que reúne as produtoras de medicamentos genéricos.
O programa inspirado pelo marqueteiro do PT prevê reduzir o imposto para cerca de 2.800 medicamentos em 2005. Estima-se que o preço final do remédio ao consumidor seja até 15% menor.

Riscos
Para o consultor Gilson Carvalho, ex-secretário Nacional de Assistência à Saúde (governo Itamar Franco), há risco de o Farmácia Popular enfraquecer a rede pública de distribuição de remédios.
Um brutal aumento de demanda e desabastecimento das unidades do programa é o que prevê Clair Castilhos Coelho, professora-adjunta do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina e coordenadora da 1ª Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica.
"É importante saber até que ponto o governo vai suportar a demanda", diz Coelho.
A inauguração do Farmácia Popular, promessa de campanha de Lula, atrasou dez meses. Foi um dos principais motivos de desgaste do ministro Humberto Costa com o presidente da República.


Colaborou AMARÍLIS LAGE, da Reportagem Local


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