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SAÚDE
Governo poderia ampliar oferta gratuita de remédios; para especialistas, programa inaugurado ontem é excludente
Farmácias de Lula dobrariam verba do SUS
FABIANE LEITE
FABIO SCHIVARTCHE
DA REPORTAGEM LOCAL
O governo federal inaugurou
ontem em quatro capitais as primeiras 17 unidades do Farmácia
Popular, programa de venda de
medicamentos a preços mais baixos que os de mercado, introduzido na campanha eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) em 2002 pelo marqueteiro
Duda Mendonça. Atraso nas
obras impediu a abertura de uma
das seis unidades de Salvador.
Os R$ 330 milhões que o governo federal pretende gastar neste
ano no programa seriam suficientes para quase duplicar os incentivos da União para a assistência
farmacêutica básica e gratuita, levando-se em conta o que foi aplicado no setor no ano passado, R$
173,9 milhões.
Para especialistas, esse é um dos
pontos polêmicos do programa.
Questionam a razão de o governo
investir em uma iniciativa considerada excludente -para ter
acesso é preciso pagar -em vez
de reforçar a rede pública gratuita
de distribuição.
"Vou falar de uma questão mais
profunda. Onde passa boi, passa
boiada. Estão quebrando o princípio da universalidade, da gratuidade do SUS [Sistema Único de
Saúde]", afirma ainda o sanitarista Gilson Carvalho, que vê risco
do co-pagamento introduzido no
programa ser expandido para outras áreas da saúde.
Qualquer pessoa que tenha uma
receita médica -da rede pública
ou privada- pode comprar o
medicamento com desconto nas
unidades do Farmácia Popular.
Hoje, há 84 itens, como analgésicos, antialérgicos, antibacterianos, antiinfecciosos, antiparasitários e dermatológicos, além dos
remédios para doenças crônica,
especialmente para hipertensão e
diabetes. A lista será regionalizada e ampliada ainda neste ano.
O governo federal estima que
cerca de 750 mil pessoas utilizarão
as Farmácias Populares por mês
em todo o país, nesta primeira
etapa. Para o Ministério da Saúde,
o público-alvo são as que já compram medicamentos na rede privada, mas nem sempre têm condições de manter um tratamento
até o fim devido aos altos preços.
São Paulo, o município mais beneficiado com o Farmácia Popular, recebeu dez unidades ontem.
Serão mais dez no próximo mês,
afirmou a prefeita Marta Suplicy
(PT), que participou por videoconferência da cerimônia de
inauguração nacional.
A previsão do governo federal é
abrir cem unidades em todo o
país até o final deste ano, priorizando capitais de regiões metropolitanas, disse Dirceu Barbano,
coordenador de serviços farmacêuticos do ministério.
Além dos remédios mais baratos -com descontos de até
85%-, o Farmácia Popular também subsidiará (em cerca de
50%) na rede privada, a partir de
dezembro, a compra de 12 medicamentos usados no tratamento
de hipertensão e diabetes, doenças crônicas que atingem mais de
14 milhões de brasileiros.
Destes, 10,4 milhões já recebem
medicamentos do SUS. A intenção do governo é agregar outros
3,6 milhões de pessoas. O subsídio foi a saída depois que a indústria farmacêutica recusou "participar" do programa da maneira
que o governo queria.
"O que tem de positivo é que
pode facilitar o acesso. Mas os 50
milhões que não têm dinheiro para comprar continuarão sem conseguir adquirir os remédios", afirmou ontem Ciro Mortella, presidente-executivo da Febrafarma,
federação que reúne a indústria
farmacêutica, entidade com a
qual o governo tentou, sem sucesso, negociar uma redução de preços nos remédios fornecidos ao
programa. O Ministério da Saúde
chegou a estudar uma troca -os
governos estaduais reduziriam o
ICMS e as indústrias diminuiriam
a margem de lucro.
"Essa troca não existe. A indústria não ganharia nada com essa
redução", diz Mortella.
"O projeto propõe a venda mais
barata. Para isso, já existem os genéricos, que são entre 40% e 70%
mais baratos e beneficiaram muito uma camada que, apesar das
dificuldades, pode pagar por um
medicamento", afirma Vera Valente, diretora-executiva da Pro-Genéricos, que reúne as produtoras de medicamentos genéricos.
O programa inspirado pelo
marqueteiro do PT prevê reduzir
o imposto para cerca de 2.800 medicamentos em 2005. Estima-se
que o preço final do remédio ao
consumidor seja até 15% menor.
Riscos
Para o consultor Gilson Carvalho, ex-secretário Nacional de Assistência à Saúde (governo Itamar
Franco), há risco de o Farmácia
Popular enfraquecer a rede pública de distribuição de remédios.
Um brutal aumento de demanda e desabastecimento das unidades do programa é o que prevê
Clair Castilhos Coelho, professora-adjunta do Departamento de
Saúde Pública da Universidade
Federal de Santa Catarina e coordenadora da 1ª Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica.
"É importante saber até que
ponto o governo vai suportar a
demanda", diz Coelho.
A inauguração do Farmácia Popular, promessa de campanha de
Lula, atrasou dez meses. Foi um
dos principais motivos de desgaste do ministro Humberto Costa
com o presidente da República.
Colaborou AMARÍLIS LAGE, da Reportagem Local
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