São Paulo, quinta-feira, 08 de agosto de 2002

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PASQUALE CIPRO NETO

Absoluto e relativo (1)

"Toda regra tem exceção." Lida literalmente, essa sentença permite deduzir que... Que, se toda regra tem exceção, a regra que diz que toda regra tem exceção também tem exceção. Moral da história: existe regra que não tem exceção.
Por que toquei nesse assunto logo no começo do texto? De início, para estimulá-lo a pensar, a ver nas entrelinhas, a questionar o que parece inquestionável. Depois, porque nas últimas colunas falei da necessidade de entender a relatividade dos conceitos.
Na escola, nem sempre é essa a visão que nos passam. Numa conversa sobre classes de palavras, por exemplo, é comum que se diga que "adjetivo é palavra que indica qualidade". E ponto final.
O resultado disso é que volta e meia se ouve alguma figura de renome dizer que "honestidade e competência são adjetivos cada vez mais raros nos nossos administradores públicos".
Na frase, "honestidade" e "competência" não são adjetivos. Por uma razão muito simples: a palavra "adjetivo" não começa com "ad" por acaso. Esse "ad" indica idéia de proximidade. O adjetivo indica qualidade, sim, mas está sempre preso a um substantivo ou a um termo que o represente.
Antes que me esqueça, "adjetivo", palavra latina, é da mesma família de "jazer", "jazida", "jazigo", "adjacente", "jacente" e tantas outras palavras. No verbete "jact-", elemento de composição latino, o "Dicionário Houaiss" dá extensa lista de vocábulos dessa família. Ao pé da letra, o adjetivo jaz, fica, é colocado, é posto ao lado (de um substantivo).
Moral da história: para que exista um adjetivo, é preciso que haja um termo por ele modificado. Na frase em questão, "honestidade" e "competência" não modificam palavra alguma, por isso não podem ser adjetivos. Essas palavras indicam a qualidade em si, na sua essência, na sua substância, no que têm de substancial. É por isso que são substantivos. As palavras "substantivo", "substância", "substancial" e "substancioso" não são apenas parecidas; são farinha do mesmo saco.
Entendeu por que qualquer palavra da língua pode ser substantivada? Por uma razão muito simples: qualquer termo pode ser tomado na sua essência. Em "O que é o "de" em "Gosto de maçã'?", o segundo "de" é preposição; o primeiro é substantivo. Isso não é gramática, caro leitor. É um pouco de lógica, de filosofia. É entender o caráter relativo das coisas.
Quem lê habitualmente esta coluna sabe que não faço dela instrumento de verborragia nomenclatural. De fato, não morro de amores pela idéia. Penso, no entanto, que, se se fala de nomenclatura, é preciso explicá-la. E, se possível, ir além: mostrar o porquê dos nomes, a relação que há entre eles e o universo das palavras etc. Na verdade, penso que sempre é preciso -e possível- relacionar, pensar relativamente.
No caso das classes de palavras, é no mínimo interessante "descobrir" por que o adjetivo e o substantivo têm o nome que têm. Numa aula, isso pode ser a substituição da aridez pela sensibilidade, ou o início de uma bela viagem pelo mundo das palavras e daí pelo das idéias. Volto ao assunto na próxima semana. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br


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