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PASQUALE CIPRO NETO
Absoluto e relativo (1)
"Toda regra tem exceção."
Lida literalmente, essa
sentença permite deduzir que...
Que, se toda regra tem exceção, a
regra que diz que toda regra tem
exceção também tem exceção.
Moral da história: existe regra
que não tem exceção.
Por que toquei nesse assunto logo no começo do texto? De início,
para estimulá-lo a pensar, a ver
nas entrelinhas, a questionar o
que parece inquestionável. Depois, porque nas últimas colunas
falei da necessidade de entender a
relatividade dos conceitos.
Na escola, nem sempre é essa a
visão que nos passam. Numa conversa sobre classes de palavras,
por exemplo, é comum que se diga que "adjetivo é palavra que indica qualidade". E ponto final.
O resultado disso é que volta e
meia se ouve alguma figura de renome dizer que "honestidade e
competência são adjetivos cada
vez mais raros nos nossos administradores públicos".
Na frase, "honestidade" e "competência" não são adjetivos. Por
uma razão muito simples: a palavra "adjetivo" não começa com
"ad" por acaso. Esse "ad" indica
idéia de proximidade. O adjetivo
indica qualidade, sim, mas está
sempre preso a um substantivo ou
a um termo que o represente.
Antes que me esqueça, "adjetivo", palavra latina, é da mesma
família de "jazer", "jazida", "jazigo", "adjacente", "jacente" e tantas outras palavras. No verbete
"jact-", elemento de composição
latino, o "Dicionário Houaiss" dá
extensa lista de vocábulos dessa
família. Ao pé da letra, o adjetivo
jaz, fica, é colocado, é posto ao lado (de um substantivo).
Moral da história: para que
exista um adjetivo, é preciso que
haja um termo por ele modificado. Na frase em questão, "honestidade" e "competência" não modificam palavra alguma, por isso
não podem ser adjetivos. Essas
palavras indicam a qualidade em
si, na sua essência, na sua substância, no que têm de substancial.
É por isso que são substantivos. As
palavras "substantivo", "substância", "substancial" e "substancioso" não são apenas parecidas; são
farinha do mesmo saco.
Entendeu por que qualquer palavra da língua pode ser substantivada? Por uma razão muito
simples: qualquer termo pode ser
tomado na sua essência. Em "O
que é o "de" em "Gosto de maçã'?",
o segundo "de" é preposição; o
primeiro é substantivo. Isso não é
gramática, caro leitor. É um pouco de lógica, de filosofia. É entender o caráter relativo das coisas.
Quem lê habitualmente esta coluna sabe que não faço dela instrumento de verborragia nomenclatural. De fato, não morro de
amores pela idéia. Penso, no entanto, que, se se fala de nomenclatura, é preciso explicá-la. E, se
possível, ir além: mostrar o porquê dos nomes, a relação que há
entre eles e o universo das palavras etc. Na verdade, penso que
sempre é preciso -e possível-
relacionar, pensar relativamente.
No caso das classes de palavras,
é no mínimo interessante "descobrir" por que o adjetivo e o substantivo têm o nome que têm. Numa aula, isso pode ser a substituição da aridez pela sensibilidade, ou o início de uma bela viagem pelo mundo das palavras e daí
pelo das idéias. Volto ao assunto na próxima semana. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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