São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004

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RECEITA DE FILHOS

Perdidos, eles alimentam a expansão dos guias familiares, que pregam conselhos contraditórios

Proliferação de livros de auto-ajuda confunde pais

DÉBORA YURI
DA REVISTA


Pegue um pouco de liberalismo, outro tanto de autoridade e tempere com recompensas. Ou não. Misture tradição com novas correntes, sem esquecer a originalidade. Ouça os mais velhos e seus exemplos inquestionáveis, mas lembre-se de que o mundo mudou. Instaure a hierarquia patriarcal dentro de casa ("É assim porque eu quero"). Ou a democracia (invista nos diálogos "de igual para igual").
A Revista selecionou dez títulos e descobriu que quem recorre a livros de auto-ajuda em busca de auxílio para criar os filhos enfrenta um bombardeio de conselhos, reflexões e teorias contraditórios. E, a julgar pela proliferação de títulos, o fogo será cada vez mais cruzado: o segmento literário de auto-ajuda/educação familiar está em franca expansão.
Na editora Paulinas, a linha registrou um aumento de 37% no faturamento no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado.
"O nicho de auto-ajuda em psicologia e educação familiar é dos segmentos editoriais que mais têm crescido em vendas. Existe uma demanda enorme por esse tipo de leitura, tanto que estamos programando fechar o ano com dez novos títulos na linha, um recorde", afirma Elisangela Almeida, 32, gerente de planejamento de produto.
Para Diana Dadoorian, 40, consultora da editora Rocco, que lançou uma linha dedicada ao segmento (mas não divulga as vendas), a expansão reflete a insegurança dos pais. "Existe uma constelação de fatores que os deixa sem saber o que fazer. Eles não querem educar seus filhos como foram educados, mas não acharam a forma ideal ainda", observa ela, autora do livro "Pronta para Voar -um Novo Olhar sobre a Gravidez na Adolescência".
O best-seller do momento é "Pais Brilhantes, Professores Fascinantes" (ed. Sextante), do psiquiatra Augusto Cury, 46, que vendeu 130 mil exemplares em oito meses. "A educação passa por uma crise mundial, e a relação entre pais e filhos está num processo de falência. Os filhos crescem órfãos de pais vivos. O livro faz sucesso porque eu abordo novos princípios do relacionamento familiar", diz o autor, que está escrevendo outro, "Nunca Desista dos seus Sonhos", destinado a pais e filhos.
Cury refuta a classificação de auto-ajuda. "Meu livro integra a linha de divulgação científica, pois aborda a teoria da inteligência multifocal."

Como escolher
Mas como decidir o que fazer se um livro recomenda transformar a casa num "campo de treinamento bélico" e o outro enumera os pontos positivos do diálogo entre pais e filhos?
"Há muitas divergências mesmo, porque a confusão de posturas e valores é do mundo inteiro. Antes, o certo e o errado eram mais claros para todo mundo. Hoje, ninguém sabe que tipo de limites estabelecer. Os pais devem ler o currículo do autor e verificar se ele tem experiência com famílias, o que o habilita a escrever livros que forneçam alguma orientação", recomenda a psicóloga Maria Rita Seixas, 63, coordenadora do curso de terapia familiar da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
"Um bom livro de educação familiar deve ter sido escrito por um autor com experiência de trabalho com famílias, no campo da psicologia ou da psiquiatria", ecoa o psiquiatra português Daniel Sampaio, 57, professor da Faculdade de Medicina de Lisboa e autor de "Inventem-se Novos Pais" (ed. Gente).
Ainda assim, não há dúvida de que é preciso tomar cuidado com algumas "receitas". "Existem muitos livros ruins. Alguns são horrorosos. Recomendo que os pais dêem uma passada de olhos e peçam a opinião de outras pessoas. Mas, quando o livro começa a vender bem, já foi aprovado pelo público", acredita o psiquiatra Içami Tiba, 63, cuja obra "Quem Ama, Educa!" (ed. Gente) liderou as listas de mais vendidos no ano passado (530 mil exemplares até agora) e está na 107ª edição.
Sua adesão ao segmento foi "natural". "Eu lido com adolescentes, faço palestras em escolas há décadas e acho que abri as portas desse mercado. Quero vender como o Paulo Coelho", diz Tiba, que prepara o lançamento de "Adolescentes: Quem Ama Educa".
O médico Valdir Reginato, 47, autor de "Aprendendo a Ser Pai em Dez Lições" (editora Paulinas), também considera normais as diferenças. "Num mundo globalizado e pluralista, existem divergências em tudo. Qual é o campo em que elas não existem? É preciso ficar atento à qualidade de tudo que se publica em grande quantidade. Para tudo, hoje existe pós-graduação, e qual a especialização para ser pai?"
Ler o prefácio, ou seja, quem recomenda a obra, é a sugestão da psicóloga e terapeuta familiar Mariangela Mantovani, 50, autora de "Quando É Necessário Dizer Não" (Paulinas), que está escrevendo seu segundo livro. "Com esse "boom", tenho visto livros que não trazem o currículo do autor. Mas qualquer profissão tem todo tipo de profissional. Agora, se não combina com seus valores, os pais devem deixar o livro para lá", diz.
As divergências incluem a própria eficácia dos livros de auto-ajuda para pais. "Experiência não se lê, adquire-se", escreve Valdir Reginato na página 81 de "Aprendendo a Ser Pai em Dez Lições". Seu colega de estante, Malcolm Montgomery, faz coro, na página 65 de "O Novo Pai" (Gente): "Quando me perguntam que livro indicaria para melhorar a relação dos pais com os filhos, costumo responder: "O tempo que vocês perdem lendo dez livros sobre educação deveria ser gasto na companhia de seus filhos e aprendendo com eles'".
Você decide, pai leitor.


Colaborou LULIE MACEDO, da Revista

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