São Paulo, sexta-feira, 08 de agosto de 2008

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BARBARA GANCIA

Hannibal Lecter vai a Pequim


Quem eles pensam que são para desdenhar da hospitalidade de quem se preparou para recebê-los?

QUÃO OFENSIVO FOI o ato da delegação de ciclismo dos EUA, cujos atletas desembarcaram em Pequim portando máscaras de Hannibal Lecter?
Bem, se a gente for colocar o que o grupo de alienados fez em perspectiva, constatamos que, caso a Olimpíada fosse em São Paulo, eles provavelmente teriam desembarcado no aeroporto Gov. André Franco Montoro, em Guarulhos, usando o mesmíssimo acessório macabro.
Afinal de contas, São Paulo também ultrapassa, em muito, ao menos nesta época do ano, os 50 mcg de partículas dispersas no ar que são considerados aceitáveis pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
E como você se sentiria, meu aristocrático leitor, se uma delegação de esportistas gringos desembarcasse por aqui dando demonstração de que tem nojo do ar que você está cansado de respirar?
Como não posso responder por você, falo por mim. Eu certamente seria impelida a ir até a janela do alojamento deles bater panela, tocar apito e soltar rojão até que eles emitissem um longo e pesaroso pedido formal de desculpas.
Quem esses ciclistas pensam que são para desdenhar de maneira tão grosseira da hospitalidade de uma cidade que se preparou durante anos para recebê-los?
Há muito, os americanos perderam o que minha tresloucada amiga Bucicleide costuma chamar de "senso de noção".
Quando constatam que são detestados mundo afora, eles invariavelmente ficam melindrados ou invocam o Plano Marshall para nos lembrar a todos de que são altruístas.
Mas o americano médio continua a olhar apenas para o próprio umbigo e a ignorar solenemente tudo aquilo que acontece além das fronteiras de México e Canadá. E a gente bem sabe que o desconhecimento costuma andar de mãos dadas com a arrogância e a truculência, não é mesmo?
Quer outro exemplo, meu leitor fofucho? Uma tal de AFA, Associação da Família Americana, cuja missão declarada é a preservação da moral e dos bons costumes e que conta com simpatizantes em todos os Estados norte-americanos, está engajada em uma cruzada típica de quem não tem mais o que fazer além de se empanturrar de Kentucky Fried Chicken diante da TV.
A associação alega que os gays se apropriaram da palavra "gay" (alegre, em inglês), e uma das missões a que ela se propõe é substituir "gay" por "homossexual".
No site da AFA, há uma página que fala da Olimpíada de Pequim e, dias atrás, foi postado no local um artigo falando da estrela norte-americana dos 100 metros rasos, Tyson Gay.
Pois não é que no site da AFA, Tyson Gay virou "Tyson Homossexual"? Segundo o raciocínio, aquele jornalista que ajudou a conceber o "New Journalism", Gay Talese, deveria ser "Homossexual Talese". O historiador Peter Gay seria "Peter Homossexual" e o famoso filme dos anos 30 "The Gay Divorcee" teria de mudar o título para "A Homossexual Divorciada". Será que, no Brasil, uma associação dessas teria alguma chance de prosperar? Ou seria imediatamente ridicularizada em todas as conversas de padaria do país, senão do Oiapoque ao Chuí, ao menos da ilha de Maracá até Bagé?

barbara@uol.com.br

www.barbaragancia.com.br


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