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ENTREVISTA
THEODOMIRO DIAS NETO
Governo é obrigado a divulgar dados sobre crime, diz advogado
Especialista em segurança, professor da FGV diz que a polícia não pode ocultar estatísticas criminais sob a alegação de evitar interpretações equivocadas
DA REPORTAGEM LOCAL
O advogado Theodomiro Dias Neto, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e especialista em segurança pública pelas universidades de Wisconsin (EUA) e Saarland (Alemanha), defende a divulgação de todos os dados sobre segurança pública até como uma estratégia de redução da insegurança da população.
O sociólogo Túlio Kahn, da Secretaria de Segurança Pública, disse que o governo evita divulgar dados de violência para evitar que avaliações erradas prejudiquem o mercado imobiliário e os preços dos seguros.
Dias Neto diz ainda que a polícia não pode esconder dados para evitar interpretações erradas. "O que não podemos aceitar é que, para evitar uma má interpretação, os dados sejam omitidos."
(EVANDRO SPINELLI E ANDRÉ CARAMANTE)
FOLHA - Qual é a sua avaliação sobre os dados de violência em São Paulo?
THEODOMIRO DIAS NETO - É muito importante esse tipo de informação para planejamento de política pública. É impossível você fazer qualquer planejamento de prevenção criminal se você não tiver informação.
O Estado de São Paulo tem avançado nos últimos anos no campo da informação e isso tem se refletido numa maior eficácia das políticas de prevenção criminal.
Uma política de segurança pública deve ter um enfoque descentralizado, local, atendendo as diversas necessidades dos diversos territórios. Você não pode ter uma única estratégia que seja válida para Pinheiros e para a zona sul. São realidades distintas que merecem políticas distintas.
FOLHA - A polícia faz isso?
DIAS NETO - Eu acho que a polícia está caminhando para isso. Talvez não com o nível de sofisticação necessário, mas, na medida em que você vai trabalhando com dados mais seguros, isso leva automaticamente a essa conclusão.
O problema do homicídio, que é grave na zona sul, vem sendo enfrentado com êxito. Desde 1999 você tem uma redução de 70% que não é só explicável por uma maior eficácia policial, mas também é. Da mesma forma que nós estamos vendo um altíssimo índice de furto na zona oeste de São Paulo e que deve merecer um enfrentamento mais específico.
Quando você tem mapeamento criminal, quanto mais local você for, melhor. Há furtos na zona oeste, mas é em toda zona oeste? Se você partir para o nível mais local você perceberá que os furtos estarão localizados em dez locais, por exemplo. Quanto mais você conseguir deglutir a informação, quanto mais você chegar à dimensão local, mais eficaz será sua intervenção.
FOLHA - O aumento do número de latrocínios assusta?
DIAS NETO - É difícil você conseguir atribuir a isso uma explicação imediata. Pode ser uma quadrilha que está agindo numa determinada região, pode ser um relaxamento do controle policial. É um número que tem de ser observado, tem de ser monitorado.
Essa política que foi feita em Nova York que se fala tanto, do tolerância zero, o que deu certo basicamente foi monitoramento de estatística criminal. Os caras se reuniam toda semana e falavam: "escuta, o que aconteceu? Dez furtos na rua tal, aconteceu alguma coisa, tem um desequilíbrio ecológico ali".
Esse monitoramento sistemático das informações é um caminho importante para você avaliar causas. Esse tipo de pesquisa mostra que o fenômeno criminal não está relacionado a uma única causa.
FOLHA - Esses dados não têm de ser públicos até para que a população possa se proteger?
DIAS NETO - Eu acho que isso é absolutamente fundamental. Publicação de dado de segurança pública é uma estratégia de segurança pública. Ela não é só importante porque a polícia tem que ser transparente e porque a população tem direito a conhecer os dados. Mais do que isso, um dos maiores fatores de insegurança criminal é que a percepção subjetiva do crime, quer dizer, o medo do crime, nem sempre corresponde à realidade criminal.
Há uma constatação de que medo do crime e crime são questões distintas. O medo do crime está influenciado pelo crime e por uma série de fatores, que podem estar relacionados até a questões arquitetônicas da área, a gênero, a idade.
Um dos instrumentos utilizados para você trabalhar com sentimento de medo do crime é você tornar os dados visíveis para que as pessoas tenham uma visualização mais realista do fenômeno criminal. Apesar do fato de que muitas vezes a revelação do número pode até endossar o medo. Mas, de qualquer forma, é importante que as pessoas tenham uma percepção realista do fenômeno.
FOLHA - É uma estratégia de segurança?
DIAS NETO - Pode ser uma estratégia de redução do sentimento de insegurança. Mas aí você não pode trabalhar com isso de forma estratégica. Quer dizer, a polícia não pode divulgar os números bons e esconder os ruins. Divulgue os números bons, nós temos hoje até a vantagem de que os números hoje são bons, e é importante para eu saber, enquanto cidadão, que há um nível alto de furto de automóvel de furto na região oeste até para que possa tomar as precauções, como vítima, para evitar esse problema. Eu já sei que lá eu não paro o carro na rua. É um direito da população.
Quanto mais conhecimento a população tiver do fenômeno criminal, como é que ele se dá, maior é o potencial de envolvimento da população nas estratégias de prevenção criminal.
FOLHA - O governo diz que não divulga os dados para evitar que uma avaliação errada prejudique o mercado imobiliário.
DIAS NETO - Não cabe ao Estado querer administrar a forma com que os dados serão interpretados. O Estado que explique os dados para evitar interpretações equivocadas. O que não podemos aceitar é que, para evitar uma má interpretação, os dados sejam omitidos.
FOLHA - O Estado diz que a avaliação melhor é por 100 mil habitantes do que com números absolutos.
DIAS NETO - Ótimo. Então, vamos discutir qual é a melhor forma de apresentação dos dados. Qual é a forma cientificamente mais correta, tecnicamente mais correta, mais adequada. Isso é pertinente. Cabe aos técnicos do Estado, aos pesquisadores da sociedade civil, definirem qual é a melhor forma de levantamento estatístico. Mas o importante é que eles sejam revelados.
Se for assim, você pode falar: está tendo um surto de hepatite, mas eu não vou divulgar os dados com medo que isso gere um pânico na sociedade. Eu tenho obrigação de divulgar o que é real. A omissão de informação não pode ser um pretexto, não pode ser um caminho para evitar más interpretações.
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