São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2010

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GILBERTO DIMENSTEIN

O clube dos bilionários para os pobres


Os governos costumam fazer pouco com muito; o contrário do que ensinam as tecnologias sociais


A GRANDE NOVIDADE destas eleições não está nas plataformas dos candidatos e, por enquanto, nem nos resultados das pesquisas de opinião, mas no projeto Ficha Limpa, que, até a semana passada, já tinha barrado 94 candidatos. Quase ninguém acreditava que a ideia fosse sair do papel, mesmo apoiada em centenas de milhares de assinaturas. Poucos sabem, mas tudo começou com uma simples e quase clandestina página na internet.
Em 2006, a Transparência Brasil começou a postar a ficha comprometedora dos candidatos. Era uma iniciativa isolada, mas foi o germe da campanha que empolgou o país e desmontou a reação dos políticos.
Por estranho que pareça, o projeto Ficha Limpa tem tudo a ver com uma das notícias que mais chamaram a atenção, na semana passada, da elite mundial: o anúncio feito por Bill Gates e Warren Buffett da criação de um movimento para levar milionários a doar parte da sua fortuna para melhorar a vida do planeta.

 

Por causa das celebridades envolvidas no movimento (o prefeito de Nova York, Michel Bloomberg, o cineasta George Lucas e o empresário de mídia Ted Turner) e das altas cifras (fala-se em R$ 1,2 trilhão), não se falou do essencial: como gastar essa dinheirama. A ideia é que esses recursos sejam drenados para projetos experimentais que possam ser multiplicados em escala planetária.

 

Dinheiro demais, muitas vezes, não significa combate à miséria. Divulgou-se que, no primeiro semestre deste ano, o rombo da previdência dos servidores federais foi de R$ 25 bilhões -quase o dobro do gasto anual com o Bolsa Família, que chega a 11 milhões de famílias e atinge cerca de 40 milhões de pessoas.

 

Quando montou sua fundação e recebeu como doação boa parte da fortuna pessoal do investidor Warren Buffett, Bill Gates deixou claro que cometer erros e perder dinheiro fazia parte de seus planos. Ele queria bancar inovações (pus em meu site www.dimenstein.com.br mais detalhes sobre a fundação).

Daí estar aberto a propostas ousadas (vacinas contra doenças em países pobres e novos modelos educacionais). Queria fazer na área social o que faz em suas empresas: inventar e disseminar.

 

É isso o que chamamos de tecnologia social. Um real investido pode se converter em milhões, como ocorreu com o projeto Ficha Limpa. Quanto não vamos economizar com menos gente desqualificada se elegendo?
Há exemplos mais concretos. O trabalho de Zilda Arns contra a mortalidade infantil no interior do Nordeste foi uma ideia que se espalhou pelo mundo. A mistura de sal e açúcar com um pouco de água para fazer reidratação oral já salvou vidas por todo lado.

 

É a mesma trajetória do Bolsa Escola (e agora do Bolsa Família). Iniciou-se num único bairro de Brasília, generalizou-se no Brasil, foi para a América Latina, para a África e até para bairros pobres de Nova York. Há um paralelo entre queda da mortalidade infantil, ampliação dos agentes comunitários de saúde, redução da desnutrição e programas de renda mínima.
O microcrédito foi uma iniciativa que começou em Bangladesh e hoje já atinge remotas cidades do interior do nosso Nordeste.

 

Na semana passada, o Rio registrou sua mais baixa taxa de homicídios desde 1991, o que se deve, em parte, às chamadas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). O modelo já vinha sendo aplicado na cidade de São Paulo, onde o homicídio caiu mais de 70% nos últimos dez anos.
O empresário Jayme Garfinkel desenvolveu, numa favela paulista, um modelo de gestão de escolas públicas, proposta que já começa a correr o país. O executivo Marcos Magalhães, ex-presidente da Phillips, está mostrando, em Pernambuco, como melhorar a escola pública em parceria com a comunidade.
Inspirado nas lições do professor Vicente Falcone, o movimento Brasil Competitivo ensina, de graça, governantes a gerir os recursos.

 

Os governos costumam fazer pouco com muito, mas as tecnologias sociais ensinam a fazer muito com pouco -aquele US$ 1,2 trilhão prometido por Gates e Buffett pode se converter num investimento muito maior do que se imagina.

 

PS- Será lançado no próximo mês um estudo produzido pelo movimento Todos pela Educação, que mostrará os fatores que, de fato, influenciam na aprendizagem.

gdimen@uol.com.br


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