São Paulo, quinta-feira, 08 de outubro de 2009
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PASQUALE CIPRO NETO "Não há nenhuma medida que o governo"
NO ÚLTIMO VESTIBULAR da Unicamp, a banca pediu aos candidatos que respondessem a duas questões relativas a esta construção, dita num "jornal noturno televisivo" (Rede TV, 7/10/ 2008): "Não há uma só medida que o governo possa tomar". Uma das questões era esta: "Considerando que há duas possibilidades de interpretação do enunciado acima, construa uma paráfrase para cada sentido possível de modo a explicitá-los". Pois bem. Parece que, antes de mais nada, o aluno precisa saber o que é uma paráfrase. Minha experiência ensina que muita gente confunde "paráfrase" com "paródia" (isso quando um terceiro elemento -"parábola"- não entra no embate...). O sentido cabível de "paráfrase" no caso é este, extraído do "Aurélio": "Modo diverso de expressar frase ou texto, sem que se altere o significado da primeira versão". Sendo (bem) curto e grosso, é dizer com outras palavras o que já foi dito. É bom lembrar que "paródia" é algo bem diferente ("Imitação cômica de uma composição literária", também segundo o "Aurélio"). Belos exemplos de paródia são os que têm por base a "Canção do Exílio", do maranhense Gonçalves Dias, cujos célebres versos iniciais todos conhecemos ("Minha terra tem palmeiras / Onde canta o sabiá"). De todas as inúmeras paródias desse poema, a mais cáustica talvez seja a do grande poeta juiz-forano Murilo Mendes: "Minha terra tem macieiras da Califórnia / Onde cantam gaturamos de Veneza (...) / Nossas flores são mais bonitas / Nossas frutas mais gostosas / Mas custam 100 mil réis a dúzia / Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade / E ouvir um sabiá com certidão de idade!". Mas voltemos à questão da Unicamp, que pede uma paráfrase para cada um dos sentidos da frase dita no "jornal noturno televisivo" ("Não há uma só medida que o governo possa tomar"). Obviamente, para redigir as paráfrases é preciso "descobrir" os dois sentidos da frase. O caro leitor já os descobriu, não? Temos aí a palavrinha "só", velha frequentadora desse tipo de questão. Uma simples leitura talvez baste para que se perceba que a ambiguidade está em que é possível entender que: a) o governo não tem nada a fazer; b) o governo tem mais de uma opção (de medida a tomar). Posto isso, a maneira mais simples de construir as paráfrases talvez seja lançar mão de um sinônimo de "só" ("apenas", por exemplo) para a paráfrase com a qual se deixaria claro que o governo tem mais de uma opção: "Não há apenas uma medida que o governo possa tomar". Para o outro sentido, pode-se lançar mão de "nenhuma": "Não há nenhuma medida que o governo possa tomar". A segunda construção talvez traga à tona uma velha dúvida, advinda de uma perigosa confusão entre língua e matemática, ou entre português e inglês. Refiro-me à dupla negação ("Não há nenhuma medida..."). Não são poucas as mensagens que recebo a respeito disso ("É possível negar duas vezes?"; "Menos com menos não dá mais?"; "Se eu digo que não encontrei ninguém, isso não significa que eu encontrei alguém?"). Devagar com o andor, caro leitor. Nem pensar em fazer a tal conta. Se eu digo que não vi ninguém, isso significa que vi zero pessoa, nada, pessoa alguma, ninguenzinho mesmo. A dupla negação como a que fazemos, que realmente não ocorre em inglês, é mais que comum em italiano, espanhol... Nossa velha frase "Não conheço ninguém", por exemplo, em espanhol corresponde a "No conozco a nadie". Em italiano, corresponde a "Non conosco nessuno". Em ambas se nota a dupla negação ("no" e "nadie", em espanhol, e "no" e "nessuno", em italiano). É isso.
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