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PASQUALE CIPRO NETO
Consulesa, marani, peixe-mulher...
É famosa uma crônica de
Rubem Braga em que o mestre trata de algumas preciosidades impingidas à goela de nossos
estudantes. "Nascer no Cairo, ser
fêmea de cupim" é o nome do delicioso texto.
"O leitor que responder "não sei"
a todas essas perguntas não passará provavelmente em nenhuma
prova de português de nenhum
concurso oficial", sentencia Braga
nessa crônica, escrita em 1959.
Felizmente, nos vestibulares
mais importantes do país a prova
de português mudou -para melhor. Tenta-se avaliar a capacidade do aluno de lidar com a língua
culta, sem levar em conta "uma
série de alçapões e adivinhas", como diz Rubem Braga.
Em muitos dos concursos oficiais para cargos públicos, no entanto, a coisa não mudou. Há algum tempo, a prova de português
de um processo de seleção de oficiais de Justiça pediu o feminino
de "peixe-boi". Como se sabe, peixes-bois (ou "peixes-boi"? - tanto faz) são malandros contumazes e, por isso, vivem às voltas com
a lei. O pobre oficial de Justiça
tentará várias vezes entregar a intimação ao meliante, que, obviamente, incumbirá sua pobre mulher -dona peixa-vaca- de despachar o indesejado.
"Vários problemas e algumas
mulheres já me tiraram o sono,
mas não o feminino de cupim",
diz Braga. Se você já começou a
perder o sagrado sono que dormiria esta noite, privo-o da privação. Digo-lhe logo que o feminino
de "peixe-boi" é "peixe-mulher".
Mas, por favor, não me pergunte
por quê. Pergunte ao examinador
que teve a genial idéia de incluir
isso numa prova cujo objetivo é
selecionar oficiais de Justiça.
Se já dei o feminino de peixe-boi, não me custa dizer que quem
nasce no Cairo é "cairota", bela
palavra que você talvez jamais
use. O feminino de cupim? Já não
estamos indo muito longe? Está
bom, eu digo: não sei. Nem eu,
nem Rubem Braga. Há quem diga que é "arará", mas que importância isso tem, afinal?
Durante a "caça aos marajás",
embuste midiático protagonizado pelo ex-presidente Fernando
C. de Mello, quem é que se lembrou de procurar o feminino de
"marajá"? Esse termo vem do
sânscrito e significa "título dos
príncipes ou potentados da Índia". O feminino é "marani" (oxítona), mas naqueles dias não faltaram mulheres identificadas como "marajás do serviço público".
Bem, entre gentílicos e femininos exóticos, chegamos ao busílis
deste texto: o feminino de "cônsul". Depois dos atentados de 11
de setembro, a representante diplomática dos Estados Unidos em
São Paulo protagonizou um embate linguístico com a imprensa.
Recusando o tratamento de "consulesa", a consulesa americana
insiste em ser chamada de "cônsul" ("a cônsul"), denominação
adotada pelo Itamaraty em alguns de seus documentos.
Peço licença a mestre Braga para mais duas palavras sobre inutilidades linguísticas. Com todo o
respeito, excelentíssima consulesa, nossas dicionárias e nossa Vocabulária Ortográfica oficial dizem que o feminino de "cônsul" é
"consulesa", seja para a mulher
de cônsul, seja para a representante diplomática. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve
nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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