São Paulo, quinta-feira, 08 de novembro de 2007

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PASQUALE CIPRO NETO

Há de haver, hão de existir

O verbo auxiliar não tem "vontade própria". Vale sempre a vontade do verbo principal da locução verbal

DIA DESSES, ao analisar a interminável tragédia da aviação civil do país, um experto no assunto afirmou que "há de existir soluções para a crise, mas elas certamente não virão neste ano ou no próximo". Não foram poucos os leitores que viram o telejornal e escreveram para pedir comentários sobre a passagem "há de existir soluções".
Alguns desses leitores foram mais específicos e, baseados no texto da semana passada, em que tratei de locuções verbais (verdadeiras e "aparentes"), solicitaram a análise do trecho da afirmação do especialista.
Vamos, pois, à frase do experto em aviação ("Há de existir soluções para a crise"). É sabido que o emprego do verbo "haver" não é tarefa das mais palatáveis. É sabido também que, quando é usado com o sentido de "existir", "ocorrer" ou "acontecer", o verbo "haver" é impessoal, ou seja, não tem sujeito e é flexionado na terceira pessoa do singular (qualquer que seja o tempo verbal).
O resultado do que acabei de afirmar é que, na língua padrão, não são adequadas formas como "Com o fechamento do túnel, houveram grandes congestionamentos no Rio". Em vez de "houveram", empregue-se "houve". Como também é sabido, os sinônimos de "haver" não têm nada com a história, ou seja, são flexionados no singular e no plural ("Ocorreram gravíssimos acidentes"; "Existem soluções para a crise" etc.).
E como se deve agir nas locuções verbais? É simples: vale sempre a vontade do "chefe", ou seja, do verbo principal. O verbo auxiliar cumprirá o seu papel de auxiliar, isto é, fará o que o comandante determinar. Vamos lá, pois: "Há de haver soluções para a crise"; "Hão de existir soluções para a crise". Mas "hão"? O verbo "haver" não... Não nada. O verbo auxiliar não tem "vontade própria".
Vale sempre a do principal. Posto isso, não resisto à tentação de abordar a provocação que fiz logo no começo do texto (quando empreguei "experto", com "x" mesmo).
Normalmente, para falarem de alguém que tem conhecimento específico em certo assunto, os jornalistas empregam as palavras "especialista" e "expert", esta lida à inglesa ("écspert", com intensidade tonal na primeira sílaba). O detalhe é que a forma "expert" entrou no português pelo francês (em que se lê "ecspért", com intensidade no segundo "e").
De qualquer maneira, a origem de "experto" (português e espanhol), "expert" (francês e inglês) e "esperto" (italiano) é a mesma: o latim ("expertus"). Diz o ótimo "Houaiss" que "(...) no latim medieval, "expertus" enfeixava dois étimos distintos".
Um deles é o que estamos abordando; o outro é o de "desperto", "acordado", que são sinônimos de "esperto", com "s", que, por sua vez, também vem de "expertus", mas daquele que resultou da contração de "expergitus", particípio de "expergiscor" ("acordar", "despertar").
O "Houaiss" diz também que a forma portuguesa "experto" não fazia a distinção semântica ("especialista" e "desperto", "acordado") "que passou a existir em nossa língua, talvez apenas do século 20 em diante".
Isso significa que no português antigo só havia "expertos"... Hoje, em nossas plagas, há menos expertos (em seja lá o que for) do que espertos (o sentido de "oportunista", "espertalhão" se dá por extensão do sentido de "acordado", "vivo"). É isso.


inculta@uol.com.br

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