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PASQUALE CIPRO NETO
Há de haver, hão de existir
O verbo auxiliar não tem
"vontade própria". Vale
sempre a vontade do verbo
principal da locução verbal
DIA DESSES, ao analisar a interminável tragédia da aviação
civil do país, um experto no
assunto afirmou que "há de existir
soluções para a crise, mas elas certamente não virão neste ano ou no
próximo". Não foram poucos os leitores que viram o telejornal e escreveram para pedir comentários sobre
a passagem "há de existir soluções".
Alguns desses leitores foram mais
específicos e, baseados no texto da
semana passada, em que tratei de locuções verbais (verdadeiras e "aparentes"), solicitaram a análise do
trecho da afirmação do especialista.
Vamos, pois, à frase do experto em
aviação ("Há de existir soluções para
a crise"). É sabido que o emprego do
verbo "haver" não é tarefa das mais
palatáveis. É sabido também que,
quando é usado com o sentido de
"existir", "ocorrer" ou "acontecer", o
verbo "haver" é impessoal, ou seja,
não tem sujeito e é flexionado na
terceira pessoa do singular (qualquer que seja o tempo verbal).
O resultado do que acabei de afirmar é que, na língua padrão, não são
adequadas formas como "Com o fechamento do túnel, houveram grandes congestionamentos no Rio". Em
vez de "houveram", empregue-se
"houve". Como também é sabido, os
sinônimos de "haver" não têm nada
com a história, ou seja, são flexionados no singular e no plural ("Ocorreram gravíssimos acidentes"; "Existem soluções para a crise" etc.).
E como se deve agir nas locuções
verbais? É simples: vale sempre a
vontade do "chefe", ou seja, do verbo
principal. O verbo auxiliar cumprirá
o seu papel de auxiliar, isto é, fará o
que o comandante determinar. Vamos lá, pois: "Há de haver soluções
para a crise"; "Hão de existir soluções para a crise". Mas "hão"? O verbo "haver" não... Não nada. O verbo
auxiliar não tem "vontade própria".
Vale sempre a do principal.
Posto isso, não resisto à tentação
de abordar a provocação que fiz logo
no começo do texto (quando empreguei "experto", com "x" mesmo).
Normalmente, para falarem de alguém que tem conhecimento específico em certo assunto, os jornalistas empregam as palavras "especialista" e "expert", esta lida à inglesa
("écspert", com intensidade tonal na
primeira sílaba). O detalhe é que a
forma "expert" entrou no português
pelo francês (em que se lê "ecspért",
com intensidade no segundo "e").
De qualquer maneira, a origem de
"experto" (português e espanhol),
"expert" (francês e inglês) e "esperto" (italiano) é a mesma: o latim
("expertus"). Diz o ótimo "Houaiss"
que "(...) no latim medieval, "expertus" enfeixava dois étimos distintos".
Um deles é o que estamos abordando; o outro é o de "desperto", "acordado", que são sinônimos de "esperto", com "s", que, por sua vez, também vem de "expertus", mas daquele que resultou da contração de "expergitus", particípio de "expergiscor" ("acordar", "despertar").
O "Houaiss" diz também que a
forma portuguesa "experto" não fazia a distinção semântica ("especialista" e "desperto", "acordado") "que
passou a existir em nossa língua, talvez apenas do século 20 em diante".
Isso significa que no português antigo só havia "expertos"... Hoje, em
nossas plagas, há menos expertos
(em seja lá o que for) do que espertos
(o sentido de "oportunista", "espertalhão" se dá por extensão do sentido de "acordado", "vivo"). É isso.
inculta@uol.com.br
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