São Paulo, domingo, 08 de dezembro de 2002

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VIOLÊNCIA

Estudo patrocinado pela OMS mostra que brasileiras são menos submissas que japonesas, tailandesas e peruanas

80% das paulistanas agredidas revidam

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Cerca de 80% das mulheres paulistanas que levam socos, pontapés, tapas e empurrões de seus parceiros reagem atirando objetos, atacando-os com chutes e até jogando sobre eles panelas com água quente. Entre as mulheres da Zona da Mata pernambucana que sofrem violência doméstica, 63% também reagem fisicamente.
A mulher brasileira que apanha do marido está entre aquelas que mais revidam. Um estudo internacional cujos resultados estão sendo divulgados revela que japonesas, peruanas e tailandesas são muito mais submissas diante da violência. Três outros países ainda estão sendo estudados.
"O índice de revide das mulheres estrangeiras ainda não foi oficialmente divulgado, mas está muito abaixo do nível de reação da brasileira", disse Lilia Schraiber, uma das coordenadoras da pesquisa no Brasil. Em agosto, as pesquisadoras se reuniram em Washington e puderam comparar os números de cada país.
Enquanto no Brasil entre 22% e 24% das mulheres nunca tinham relatado a violência a ninguém, nos outros países mais de 30% se calam completamente.
Entre as mulheres pesquisadas, a brasileira também é a que mais toma a iniciativa de agredir. Entre as que relataram violência, 25% delas em São Paulo e 16% em Pernambuco admitiram que já tomaram a iniciativa de agredir. "Mas a violência do homem é sempre mais grave, mais frequente e quem sai machucada é sempre a mulher, mesmo quando revida", diz Ana Flávia Lucas d'Oliveira, outra coordenadora da pesquisa.
Pelo estudo, 29% das mulheres de São Paulo e 37% das moradoras de 15 cidades da Zona da Mata em Pernambuco relataram episódio de violência física ou sexual cometido por parceiro ou ex-parceiro. O Peru tem um resultado duas vezes maior do que a média desses dois índices. A Tailândia empata e o Japão fica abaixo.
No Brasil, as pesquisadoras visitaram 4.299 domicílios e entrevistaram 2.645 mulheres entre 15 a 49 anos. O estudo foi patrocinado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e conduzido pelo Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, com o apoio do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, de São Paulo, e SOS Corpo, Gênero e Cidadania, de Pernambuco.
"O revide é a resposta daquelas em situação de violência", diz Ana d"Oliveira. "É a estratégia da realidade, especialmente entre as menos escolarizadas."
Nos grupos focais, onde as mulheres relatavam o que sentiam, muitas incentivavam a reação. "Umas diziam: "As mulheres apanham porque aceitam; quando você leva um tapa, tem que revidar, senão vira sem-vergonhice.'"
Uma das propostas da pesquisa é tirar a "violência do âmbito privado e mostrá-la como um problema amplo que precisa ser tratado dentro das políticas públicas", diz Lilia Schraiber.
Por exemplo, entre as que relataram agressões, 40% das paulistanas e 54% das mulheres da Zona da Mata responderam "não" quando questionadas se haviam sofrido violência. Significa que boa parte delas não têm a percepção de que estão sendo agredidas.
As agressões são mais frequentes entre aquelas com menor escolaridade e as que vêm de famílias com violência.
O estudo mostra também que as agressões em casa provocam vários danos à saúde da mulher e afetam seriamente as crianças. Entre as mulheres, tanto de São Paulo como da Zona da Mata, aquelas que sofreram violência relataram de duas a três vezes mais intenção e tentativas de suicídio quando comparadas com as demais. Também se envolveram mais em episódios de uso de álcool. As mulheres agredidas também relatam dores ou desconfortos severos, problemas de concentração e tonturas.
Os filhos dessas mulheres, por sua vez, têm maior nível de repetência, chupam o dedo, fazem xixi na cama e sofrem de pesadelos.
Cerca de 41% das mulheres de São Paulo e 52% das que vivem na Zona da Mata tiveram que sair de casa pelo menos uma vez por causa das agressões. Entre as que não abandonaram a casa, a maioria (32%) alega que perdoou o parceiro, 25% disseram que não queriam deixar as crianças e 23% ficaram por "amor ao parceiro".
A maioria procura ajuda entre familiares. Mesmo em São Paulo, apenas 18% disseram procurar ajuda nas delegacias de polícia.



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