São Paulo, domingo, 08 de dezembro de 2002

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ENTREVISTA

Uso de drogas vai virar disciplina na Unifesp

DA REPORTAGEM LOCAL

Além de auxiliar no controle das náuseas em tratamentos quimioterápicos e na restauração do apetite de soropositivos, estudos recentes feitos na Inglaterra mostram que a maconha teria efeito também no controle da dor em portadores de doenças neurológicas, como esclerose múltipla.
A Rede Brasileira de Redução de Danos realizou na última quinta-feira o primeiro seminário com apoio e patrocínio do Ministério da Saúde sobre o uso terapêutico dessa droga. Elisaldo Carlini, 72, titular do Conselho Internacional de Controle de Narcóticos (órgão das Nações Unidas) e professor da Universidade Federal de São Paulo, apresentou os estudos e também anunciou a criação de uma disciplina na Unifesp para enfocar de maneira diferenciada o consumo de drogas e o abuso das substâncias.
Segundo ele, pela primeira vez em uma universidade brasileira os cursos darão mais enfoque ao usuário do que à droga.
"O objetivo do seminário foi colocar essa discussão às claras. Com isso queremos provocar um pouco as pessoas para essa diferença que a gente faz de drogas lícitas e drogas ilícitas e as diferentes utilidades que tanto uma quanto outra droga podem ter", afirma Mônica Gorgulho, 42, presidente da rede.
A seguir, Carlini fala do uso terapêutico da droga e sobre a nova disciplina.

Folha - Qual é a situação do uso terapêutico da maconha?
Elisaldo Carlini
- Holanda, Canadá e Inglaterra já enviaram ofício às Nações Unidas avisando que criaram dentro dos seus ministérios da Saúde agências para tratar do assunto. Isso é uma exigência da Comissão Internacional de Narcóticos. Essas agências serão órgãos que controlarão a produção e estoque de maconha. A Holanda, por exemplo, pretende exportar e vai atender no mínimo a 12 mil pessoas que têm prescrição médica para o uso da droga. O Brasil ainda não tomou nenhuma iniciativa.

Quais são os usos medicamentosos da droga?
Carlini
- Um que ninguém duvida mais é para náuseas e vômitos decorrentes da quimioterapia [tratamento para o câncer". Outro uso aceito é para restaurar o apetite do soropositivo. Acabou de sair na Inglaterra um trabalho que mostra a aplicação em esclerose múltipla e outras doenças neurológicas, para alívio da dor. Não existe nenhum remédio que seja eficiente em 100% dos pacientes. Você tem 10%, 20% que sofrem porque o medicamento não controla a dor, por exemplo. Se para esses pacientes você tem uma opção terapêutica a mais, é necessário pelas regras da medicina que isso esteja disponível, desde que haja provas de que funciona.

Folha - Por que criar a nova disciplina na Unifesp?
Elisaldo Carlini
- Nós entendemos que o problema de abuso de drogas vai muito além da medicina. Há problemas sociais envolvidos, antropológicos. A disciplina pretende começar a discutir drogas e abuso de drogas numa perspectiva mais ampla. O segundo aspecto que temos de entender é que precisamos estudar não a maconha, por exemplo, mas o homem que usa maconha. Por que usa maconha, o que o leva, quais são was faltas que ele tem?
E ainda um terceiro aspecto: temos de discutir como a sociedade vê a droga. E nisso é importante saber quais são os preconceitos que a sociedade tem. A maconha, até o princípio da década de 30, era considerada um medicamento no mundo inteiro, mas de repente virou a "erva do diabo".
Outra coisa importante é entender como é que o dependente vê a droga e a sociedade no contexto. Se não conseguirmos entender esses aspectos, vai ser impossível controlar esse abuso.
(FABIANE LEITE)


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