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ANÁLISE
O símbolo da praça
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Desde que começou a ser tomada por grupos teatrais, a praça Roosevelt se converteu num
cenário de resistência da cidade
de São Paulo contra a degradação. Faltava-lhe um símbolo
para sintetizar esse enredo urbano. Esse símbolo passou a se
chamar Mário Bortolotto.
Tudo ali parece um roteiro. O
espaço abandonado e violento,
quase morto, vai ganhando vida
com os palcos e seus novos personagens, que começam a se
misturar com prostitutas, travestis, assaltantes, viciados, em
meio a sujeira por todos os lados. Contra quase tudo e quase
todos muitas vezes, contra o
próprio poder público -cada
centímetro ganho, com um novo teatro, parece a conquista de
um território ocupado.
Revitalizações que os governos não conseguem fazer ou se
arrastam há anos, como a chamada Nova Luz, surgiram, informalmente, na Roosevelt, trazendo arte e criatividade. O que
cabia ao governo -e já havia até
dinheiro para reformar a praça- ainda tramita na dramaturgia previsível da burocracia.
Daqueles palcos alternativos,
irradiaram-se luzes que ajudaram a montar o grande palco de
todas as tribos paulistanas. Em
nenhum lugar, há tanta gente
diferente, representando tantas tendências, como a região
do Baixo Augusta.
Quem acompanha de perto
essa movimentação sabe das dificuldades cotidianas, a começar das variadas formas de violência, levando muitos a pensar
em desistir e alguns a desistir. A
repressão à cracolândia significou não o fim do crack, mas sua
disseminação pelo entorno.
A maioria não desistia porque,
no fundo, estava presa a um roteiro de autoria coletiva. Há, no
ar, a sensação de se contar uma
bela história, de fazer história.
Não havia, porém, um grande
personagem à altura. Até os tiros
contra Bortolotto, cujo site se
chama "Atire no Dramaturgo" e
que estava em cartaz com a peça
"Brutal". Fosse ficção, diriam
que o autor estava exagerando.
Até se pode dizer que o herói
foi um pouco vítima de seu temperamento explosivo. A forma
como reagiu ao assalto não é a
mais recomendável, é como se
não conhecesse -ou não quisesse- os códigos de prudência.
Reagiu como se estivesse não na
realidade, mas num palco. Preferiu não fazer o papel da vítima
passiva, acuada. Era como se
reagisse solitariamente a toda
uma cidade selvagem. Enfrentou, desarmado, apenas com palavras, a brutalidade. Não percebia que estava indo tão no limite quanto seus algozes.
Mas não estava no palco e os
marginais tinham armas de verdade. Ao ir para a UTI, tinha
deixado a cena mais profunda
da praça Roosevelt.
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