|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Após morte, moradores têm medo de usar telefone
Até o prefeito de São Lourenço da Serra afirma ter receio de atender ao aparelho
Ele diz que as empresas Eletropaulo e Telefônica já haviam sido alertadas sobre a ausência de manutenção dos postes de fiação aérea
KLEBER TOMAZ
DA REPORTAGEM LOCAL
Quase uma semana após uma
descarga elétrica ter matado a
aposentada Maria da Rosa de
Lima Correia, 61, a população
da pequena São Lourenço da
Serra continua com medo de
atender ao telefone.
O medo é geral. Até o prefeito
João Koga (PFL), que administra a cidade de 17 mil habitantes e 2.842 linhas telefônicas,
tem receio em pegar o telefone
da sua casa ou do gabinete.
"Só atendo se tocar cinco vezes. Se por acaso o som for contínuo, sem interrupção, como
se tivesse sido disparado, eu
não atendo", afirmou Koga.
Moradores relataram que, no
dia da morte da aposentada, os
telefones na cidade tocaram
ininterruptamente.
Segundo o prefeito, sua mãe
de 73 anos também teme atender as chamadas telefônicas.
"Ela assistiu a TV e soube que a
senhora morreu. Está aflita. Me
falou pessoalmente que não
atende mais telefone."
Para tranqüilizá-la um pouco, Koga a orientou a só segurar
o aparelho se estiver usando
um calçado com solado de borracha ou pisar sobre um carpete. De acordo com o prefeito, a
aposentada que morreu estaria
descalça. A família dela nega.
As únicas pessoas que não
têm do que se queixar com o
"medo coletivo" são os comerciantes que vendem sandálias
emborrachadas. "Só hoje foram
vinte pares", afirmou Júlio Fogosi, 37, dono de um mercado.
Dentro das casas, as crianças
menores de dez anos de idade
já foram proibidas pelos pais ou
responsáveis de atender.
"Já falei para o meu sobrinho
pequeno deixar o telefone tocar
sem parar. Só os adultos podem
pegar no telefone", disse Marisa Madalena de Moraes, 42,
funcionária do posto Ipiranga,
nas margens do km 311,5 da rodovia Régis Bittencourt, onde o
cabo de energia se rompeu.
A doméstica Irene Cintra, 23,
afirmou que o medo pode levá-la até a cancelar a assinatura da
Telefônica. "Porque pagaria algo que mata gente?"
Além dos telefones residências, a população também tem
medo de usar e até mesmo passar perto de orelhões. O comerciante Roberto Mendes, 42, é
dono de um bar que fica há menos de um metro do orelhão da
Telefônica que, segundo ele,
pegou fogo na última quarta.
"Era tanta chama e faísca que
saía do telefone que ao invés de
verde [cor oficial das cabines da
empresa], o orelhão ficou vermelho", relatou Mendes, que é
um dos vizinhos onde morava a
aposentada eletrocutada.
Segundo ele, o orelhão já foi
consertado, mas o medo persiste. "Ninguém mais quer nem
encostar nele, quanto mais
atender alguma ligação."
Ontem, enquanto esteve no
bairro do Paiol do Meio, a Folha verificou que carros da Telefônica e da Eletropaulo batiam fotos dos postes de energia e fiação telefônica.
Segundo o prefeito de São
Lourenço da Serra, as duas empresas já haviam sido notificadas anteriormente sobre a ausência de manutenção dos postes de fiação aérea bem como a
necessidade de se cortar e podar algumas árvores em volta.
Ontem, começaram os depoimentos na delegacia dos parentes das vítimas e de pessoas
que levaram choque dos aparelhos telefônicos.
Texto Anterior: Idosa é eletrocutada ao atender telefone Próximo Texto: Para especialistas, tipo de choque é incomum Índice
|