São Paulo, sábado, 09 de janeiro de 2010

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WALTER CENEVIVA

Paraitinga e Angra: bens perdidos


Como fica o direito em face das mortes e da destruição? Casos fortuitos ou de força maior não são indenizáveis

SÃO LUIZ do Paraitinga, antigo núcleo paulista, tem notoriedade estranha às grandes marcas ou indústrias. Sua notabilidade se assinala pela arquitetura colonial, pela história (inclui o nascimento do sanitarista Oswaldo Cruz e do geógrafo e ambientalista Aziz Ab'Saber, que presidiu a SBPC -Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). São Luiz preserva tradições culturais, na área da dança, da música, da literatura, das festas religiosas. Até pelo afogado, nome de prato típico, na Festa do Divino, acessível a todos, servido em espaço aberto.
A fama de Angra dos Reis vem da originalidade de sua formação e das ilhas, dos encantos com os quais a natureza presenteou o litoral fluminense, antes que a força humana a modificasse. Em Angra, tudo é beleza de contornos, de aves, da vegetação rica, nas pequenas baías, com encostas rochosas. Delas vêm o nome das angras. Na Angra dos Reis os deslizamentos mataram dezenas de pessoas, na mágoa das vidas perdidas. Em São Luiz, as águas do rio Paraitinga cobriram grande parte do núcleo urbano. Foi a tragédia do espírito e da arte, dos seres humanos, no desmonte de lares e serviços.
Como ficam o direito e as leis, em face das mortes e da destruição? Primeira resposta: casos fortuitos ou de força maior não são indenizáveis. Está no artigo 393 do Código Civil: "o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir". Indo aos fatos, a enchente do rio e os deslizamentos de encostas sugerem que era possível impedir ou evitar o dano. As explicações variam e, se necessário, serão dadas pela prova técnica. Em São Luiz, fala-se no corte do curso lento do Paraitinga pelo rio Chapéu, seu afluente, que vem de mais alto. Agrava as enchentes com chuvas pesadas. Em Angra se diz de ações e omissões da União e do Estado, facilitando a exploração econômica, sem prevenir ou impedir o abuso.
Houve dano? O responsável tem de arcar com a consequência. Para Angra, a resposta vem indicada nos artigos 20 e 21 da Constituição. O artigo 20 relaciona bens da União, sob cujo controle está a maior parte do litoral brasileiro, aí incluídas as ilhas, sem falar nos terrenos de marinha e seus acrescidos.
Logo, as questões dos deslizamentos em Angra dos Reis competirão à Justiça Federal (mesmo se houver erros de construção), por envolverem patrimônio e órgãos administrativos da União. O Estado do Rio também responderá. Ampliou a exploração comercial da área, sem suficiente cuidado.
Em São Luiz, a matéria constitucional, em tese, envolveria o município e o Estado. Contudo, considerando que o curso do rio cobre mais de um município, transfere a responsabilidade indenizatória e reparadora para o Estado de São Paulo (Código de Águas, de 1934, artigo 29, inciso 2º, letra "b").
Relendo o texto e preparando o fecho confirmo que a fria apreciação de leis e regras de interpretação se distancia das emoções da realidade. Além disso, o fazer justiça oficial é demorado. Será ideal que as duas cidades cobrem os responsáveis com persistência e denodo, mas como a fênix da tradição egípcia, recolham cinzas, restos e lágrimas, fazendo reviver belezas e tradições que as marcaram durante séculos.


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