São Paulo, sábado, 09 de fevereiro de 2008

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WALTER CENEVIVA

Visão moral e tributo

Há vários lados tristes da imoralidade fiscal. Um exemplo é o desequilíbrio da carga tributária no país

MUITO EMBORA A CPMF ameace o cenário fiscal na volta efetiva dos congressistas ao trabalho, talvez seja destinado ao IOF o papel principal de astro das manchetes sobre economia e finanças em 2008. Trata-se de típico imposto à disposição do Executivo para interferir nas operações de crédito, câmbio e seguros ou relativas a títulos ou valores mobiliários, referidas pela Constituição no artigo 153, inciso V, com função reguladora. Para esse fim, o IOF pode ser alterado, desde que respeitados os requisitos da Carta Magna e a natureza extrafiscal do tributo.
O governo quis aumentar a tributação após a derrota da CPMF. Editou o decreto nº 6.306/07. Foi insuficiente. Quis preencher o vácuo com os decretos nº 6.339 e 6.345, ambos de 2008. Não foi avanço juridicamente qualificado porque teve de mostrar a verdadeira intenção de aumentar as alíquotas do tributo.
Trata-se de orientação de duvidosa constitucionalidade, a depender de pronunciamento do STF (Supremo Tribunal Federal). Mesmo com a decisão da ministra Ellen Gracie de fazer julgar as questões liminares junto com o mérito, é possível que esse pronunciamento demore.
Farei uma súmula de princípios fundamentais da tributação, colhida em meu livro "Direito Constitucional Brasileiro" (Saraiva, 3ª edição), para questionar a constitucionalidade do caminho governamental. A edição do livro é anterior à situação agora criada, afastando a eventual conotação política.
O princípio da legalidade dispõe que ninguém é obrigado a pagar tributos, senão em virtude de lei. A lei quer também que os governos observem regras da capacidade contributiva, do caráter não-confiscatório e da moralidade, ao propor tributos ou quando queiram aumentá-los. O administrador público que aumente indevidamente os impostos ofende especialmente o princípio da moralidade, previsto no artigo 37 da Constituição.
Dois outros princípios são referíveis: o da anterioridade (o tributo só incide a contar de sua criação ou de sua transformação, determinada em lei) e o da anualidade, que veda instituir ou aumentar tributo no mesmo exercício financeiro em que vigorar.
No caso aqui examinado o governo invoca o parágrafo 1º do artigo 150, pelo qual a proibição do inciso III, "b" não se aplica (entre outros tributos). Ou seja, o governo quer cobrar o imposto no "mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou". A lei não é do mesmo exercício financeiro e a lei não aumentou a incidência do IOF.
Posta de lado a questão do IOF, há vários lados tristes da imoralidade fiscal. Exemplo: o desequilíbrio da carga tributária. A imposta à classe média é relativamente mais onerosa da cobrada dos mais ricos. Os encargos excessivos ajudam a explicar (ou disfarçar) rombos da corrupção, de erros administrativos e até dos cartões de crédito corporativos.
Agora se diz que o Congresso Nacional ao voltar ao trabalho vai discutir a idéia de isentar as indústrias bélicas (dos fabricantes de armas) da tributação que sobre elas incide. O leitor, preocupado com os princípios constitucionais, pode perguntar por que não aplicar essa isenção para os fabricantes de alimentos? Fabricantes de roupas? De remédios? Seria, ao menos, igualdade compreensível para o povo.


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