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VIOLÊNCIA
Moradores incendeiam ônibus e invadem hospital em protesto contra conflito que deixou um morto e dois feridos
Ação da PM provoca revolta em favela do Rio
FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO
Uma ação da Polícia Militar deixou um morto e dois feridos na
favela Praia da Rosa, na Ilha do
Governador (zona norte do Rio),
provocando cenas de guerra durante todo o dia de ontem.
A reação à morte do pescador
Luiz Antônio Dornela Rodrigues,
32, às 23h de anteontem, começou de madrugada: os moradores
fizeram barricadas na entrada da
favela, incendiaram um ônibus e
telefones públicos e apedrejaram
dois carros. Os policiais militares
responderam com tiros.
As versões sobre como se deu o
conflito são contraditórias. O comandante do 17º BPM (Batalhão
de Polícia Militar), Mário dos
Santos Pinto, afirmou que um
carro da Polícia Militar passava
anteontem pela favela quando começou a ouvir tiros. Teria começado, então, um tiroteio entre os
policiais e traficantes.
Segundo a Polícia Militar, o
morto tinha envolvimento com o
tráfico de drogas. Ao lado do cadáver teriam sido encontradas armas, entorpecentes, uma granada
e fardas do Exército. De acordo
com a polícia, a manifestação foi
incitada por traficantes.
A associação de moradores da
Praia da Rosa, além de parentes e
vizinhos da vítima, desmentem
essa versão. De acordo com eles,
na noite de anteontem, a favela estava tranquila e a polícia entrou
atirando porque os traficantes teriam atrasado o pagamento da
propina semanal.
"A rua estava cheia porque o calor estava forte e muita gente assistia ao jogo do Brasil. Aí começamos a ouvir os tiros", afirmou
Maria Rosilda Pereira, presidente
da associação de moradores.
De acordo com o relato dos moradores, os policiais teriam chegado atirando. "Eles passaram por
mim e eu disse: "Cuidado, tem
morador na rua". Aí caiu o primeiro ferido", disse o motorista
Marcos Nunes, 21.
O primeiro ferido foi L.F., 16,
baleado na barriga. Rodrigues bebia num bar com Paulo da Silva,
32, quando os dois foram atingidos. Silva ficou ferido na coxa direita. Rodrigues, na virilha. O tiro
atingiu a artéria femural, provocando forte hemorragia.
Segundo os moradores, Rodrigues não era traficante e as drogas
foram colocadas propositalmente
pela polícia ao lado de seu cadáver. Eles disseram também que
Rodrigues era pescador e estampador autônomo.
O pescador Vanildo Magalhães
Mota, 57, sogro do ferido Paulo
Silva, disse que o rapaz fazia biscates na construção civil.
"Vieram me avisar em casa que
ele estava ferido. Fiquei louca. A
polícia não queria nem socorrer.
Então, os moradores começaram
a gritar e eles [os policiais" levaram meu marido para o hospital.
Ainda demoraram muito a socorrê-lo. Vai ver foi por isso que ele
morreu", afirmou Janaína Duarte
Leite, 25, mulher da vítima.
Na madrugada, os feridos foram levados para o Hospital Santa
Maria Madalena e depois transferidos para o Hospital Paulino
Werneck, que também fica na
Ilha do Governador.
Os manifestantes chegaram a
invadir o Hospital Santa Maria
Madalena, perto da favela, para
onde os feridos haviam sido levados. Funcionários e pacientes entraram em pânico.
Rodrigo Otávio da Silva Costa,
19, foi preso no hospital sob a acusação de ter participado da depredação do ônibus.
De manhã, quando a polícia
voltou à Praia da Rosa, foi recebida a pedradas. Mais uma vez, respondeu com tiros. A favela foi
ocupada por 45 PMs.
À tarde, um dos carros da Polícia Militar no local foi atingido
por uma granada e uma bomba
de fabricação caseira. Nenhum
policial ficou ferido.
Indenização
A viúva de Rodrigues disse que
avalia a possibilidade de entrar na
Justiça contra o Estado, pedindo
indenização pela morte do marido. "Tenho uma filha de nove
anos e estou desempregada. Meu
marido é que sustentava a gente",
afirmou Janaína.
De manhã, a dona do bar onde a
vítima bebia antes de morrer ainda lavava a calçada para limpar o
sangue. "Não consegui nem dormir com o cheiro de sangue. Já coloquei um vidro de desinfetante e
não sai, parece que entranha na
gente", disse a comerciante, que
não quis se identificar.
Em solidariedade a Rodrigues,
os pescadores da favela não saíram para o trabalho. O enterro foi
realizado na tarde de ontem, no
cemitério da Cacuia, na Ilha do
Governador.
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