São Paulo, sábado, 09 de março de 2002

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VIOLÊNCIA

Moradores incendeiam ônibus e invadem hospital em protesto contra conflito que deixou um morto e dois feridos

Ação da PM provoca revolta em favela do Rio

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

Uma ação da Polícia Militar deixou um morto e dois feridos na favela Praia da Rosa, na Ilha do Governador (zona norte do Rio), provocando cenas de guerra durante todo o dia de ontem.
A reação à morte do pescador Luiz Antônio Dornela Rodrigues, 32, às 23h de anteontem, começou de madrugada: os moradores fizeram barricadas na entrada da favela, incendiaram um ônibus e telefones públicos e apedrejaram dois carros. Os policiais militares responderam com tiros.
As versões sobre como se deu o conflito são contraditórias. O comandante do 17º BPM (Batalhão de Polícia Militar), Mário dos Santos Pinto, afirmou que um carro da Polícia Militar passava anteontem pela favela quando começou a ouvir tiros. Teria começado, então, um tiroteio entre os policiais e traficantes.
Segundo a Polícia Militar, o morto tinha envolvimento com o tráfico de drogas. Ao lado do cadáver teriam sido encontradas armas, entorpecentes, uma granada e fardas do Exército. De acordo com a polícia, a manifestação foi incitada por traficantes.
A associação de moradores da Praia da Rosa, além de parentes e vizinhos da vítima, desmentem essa versão. De acordo com eles, na noite de anteontem, a favela estava tranquila e a polícia entrou atirando porque os traficantes teriam atrasado o pagamento da propina semanal.
"A rua estava cheia porque o calor estava forte e muita gente assistia ao jogo do Brasil. Aí começamos a ouvir os tiros", afirmou Maria Rosilda Pereira, presidente da associação de moradores.
De acordo com o relato dos moradores, os policiais teriam chegado atirando. "Eles passaram por mim e eu disse: "Cuidado, tem morador na rua". Aí caiu o primeiro ferido", disse o motorista Marcos Nunes, 21.
O primeiro ferido foi L.F., 16, baleado na barriga. Rodrigues bebia num bar com Paulo da Silva, 32, quando os dois foram atingidos. Silva ficou ferido na coxa direita. Rodrigues, na virilha. O tiro atingiu a artéria femural, provocando forte hemorragia.
Segundo os moradores, Rodrigues não era traficante e as drogas foram colocadas propositalmente pela polícia ao lado de seu cadáver. Eles disseram também que Rodrigues era pescador e estampador autônomo.
O pescador Vanildo Magalhães Mota, 57, sogro do ferido Paulo Silva, disse que o rapaz fazia biscates na construção civil.
"Vieram me avisar em casa que ele estava ferido. Fiquei louca. A polícia não queria nem socorrer. Então, os moradores começaram a gritar e eles [os policiais" levaram meu marido para o hospital. Ainda demoraram muito a socorrê-lo. Vai ver foi por isso que ele morreu", afirmou Janaína Duarte Leite, 25, mulher da vítima.
Na madrugada, os feridos foram levados para o Hospital Santa Maria Madalena e depois transferidos para o Hospital Paulino Werneck, que também fica na Ilha do Governador.
Os manifestantes chegaram a invadir o Hospital Santa Maria Madalena, perto da favela, para onde os feridos haviam sido levados. Funcionários e pacientes entraram em pânico.
Rodrigo Otávio da Silva Costa, 19, foi preso no hospital sob a acusação de ter participado da depredação do ônibus.
De manhã, quando a polícia voltou à Praia da Rosa, foi recebida a pedradas. Mais uma vez, respondeu com tiros. A favela foi ocupada por 45 PMs.
À tarde, um dos carros da Polícia Militar no local foi atingido por uma granada e uma bomba de fabricação caseira. Nenhum policial ficou ferido.

Indenização
A viúva de Rodrigues disse que avalia a possibilidade de entrar na Justiça contra o Estado, pedindo indenização pela morte do marido. "Tenho uma filha de nove anos e estou desempregada. Meu marido é que sustentava a gente", afirmou Janaína.
De manhã, a dona do bar onde a vítima bebia antes de morrer ainda lavava a calçada para limpar o sangue. "Não consegui nem dormir com o cheiro de sangue. Já coloquei um vidro de desinfetante e não sai, parece que entranha na gente", disse a comerciante, que não quis se identificar.
Em solidariedade a Rodrigues, os pescadores da favela não saíram para o trabalho. O enterro foi realizado na tarde de ontem, no cemitério da Cacuia, na Ilha do Governador.



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