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São Paulo, domingo, 09 de março de 2003

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DANUZA LEÃO

Olho ruim

O olho das pessoas pode ser uma coisa terrível. Por ele você sabe, sem que uma só palavra seja dita, se é sim ou se é não -seja qual for o assunto-, e até se é talvez. Pelo olho dá para saber se há alguma simpatia pelo que você está querendo, seja um convite para jantar, a compra de um carro ou a tentativa de fazer um negócio escuso.
Pelo olho se percebe quando alguém é capaz de matar -o brilho do olho muda e fica frio, com brilho de faca, como dizia uma antiga canção; embora mais raro, fica muito claro quando o outro se enternece por uma história que está sendo contada e também quando fica inteiramente indiferente a ela. Se está louco para que a pessoa vá embora ou, ao contrário, inventando assunto para que fique. Até mesmo pelo telefone, quando não se vê olho nenhum, dá para sentir o clima; qualquer clima.
Ruim mesmo é quando existe uma relação legal entre dois amigos, por exemplo, e um deles -só um deles- está bem de vida. Eles, que tantas vezes trocaram confidências, saíram para se divertir, às vezes quase choraram um no ombro do outro -quase porque homem não chora- por causa de uma vadia qualquer; mas um dia se encontram num escritório, um dos dois precisando de um dinheiro emprestado. Que vai pagar, é claro, mas não sabe exatamente quando. Nessa hora o olho do outro muda e fica frio como uma pedra de gelo.
Pode ser até que ele empreste -geralmente uma quantia menor do que o outro precisa-, e pode ser também que apresente um papel para ser assinado. E se for um banqueiro, ainda tem os juros.
A partir desse momento, as relações entre os dois terão se modificado. Não deveria, mas a vida não é o que deveria ser, mas o que é. O que pediu o dinheiro não vai gostar de assinar nenhum papel em garantia do empréstimo, o que emprestou preferiria não misturar amizade com negócios. Trincou, e o melhor que teria feito o mais rico seria entregar um dinheiro na mão, mesmo menor do que o pretendido, e dizer que é um presente -e mesmo assim vai trincar.
Mas tem pior -muito pior. É quando, depois de uma relação de muito amor e muita paixão, um dos dois quer ir embora -apaixonado por outra pessoa.
É claro que no início ele vai negar de pé junto, vai jurar que não tem ninguém etc., mas quem está sendo abandonado é sensível a qualquer sinal, e um dia não dá mais para negar. Até que isso aconteça ele está olhando com remorso, por estar fazendo ela sofrer, com culpa e até pena da mulher que um dia amou. Tudo bem; faz parte da vida, vai ser duro, mas um dia vai aparecer outra pessoa e esse sofrimento vai fazer parte do passado, como tantos outros.
Mas duro, duro mesmo, é quando ela percebe que ele olha de outro jeito. Para começar, evita; olha só o necessário, rapidamente, para que os olhos não se encontrem durante muito tempo. Aí vem uma conversa sobre o fim de semana, ela pergunta se as crianças não poderiam ficar com ele, já que ela tem que fazer a mudança, só que o fim de semana dele já está mais do que programado.
Nessa hora ele olha para ela como se nunca tivessem sido nem ao menos amigos e é aí que o olho muda: fica gelado. E quando você percebe, fica gelada também.
Gelada por compreender que, na hora em que o tal do ser humano está cuidando de seus interesses pessoais, vira bicho.
Desse olho a gente nunca esquece, de tão ruim que ele é.
E geralmente é de homem.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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