São Paulo, domingo, 09 de março de 2008

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Filhos da esperança

A reportagem acompanhou os passos da saga de três mulheres portadoras do vírus da Aids para gerar filhos sem HIV

Elas não desistiram da maternidade. Geraram vidas enquanto se defrontavam com uma doença incurável: são portadoras de HIV, mas carregaram no ventre esperança. A reportagem relata a experiência de três mulheres com Aids que se tornaram mães. A primeira descobriu no pré-natal que foi contaminada por um ex-namorado. A segunda viveu o abandono ao ser diagnosticada soropositiva ainda recém-nascida e, 21 anos depois, deu à luz uma criança livre do vírus. A terceira encontrou na gravidez uma redenção e hoje tem nos dois filhos razão para viver. Todas contaram com doses extras de coragem, de medicamentos de última geração, de fé e de amor.
ELIANE TRINDADE e ROBERTO DE OLIVEIRA, da Revista da Folha

DA REVISTA DA FOLHA

Após três anos de casados, a administradora Luciana*, 28, e o empresário Marcelo*, 37, decidiram ter um filho. Nos três meses seguintes, eles viveram um pesadelo que colocou à prova o casamento. No pré-natal, ela descobriu que era soropositiva. Ele não tem o vírus. A reportagem acompanhou o último mês de gestação e o parto de Lucas*. "Ele foi o meu anjo da guarda", resume Luciana.

11/7/2007 - Descoberta
"Vinha cobrando do Marcelo que queria ter um filho, até que ele disse: "Vamos tentar". Depois de 20 dias, estava grávida. No pré-natal, o médico solicitou todos os exames, inclusive o de HIV. Três dias depois, ligaram do laboratório pedindo para eu repetir o de Aids. Fiquei assustada."

2/8/2007 - HIV positivo
"O laboratório levou 15 dias para confirmar o diagnóstico. Fui até lá com a minha mãe. Pedi para que ela não me deixasse sozinha. Entrei no laboratório às 14h e saí de lá às 18h30. Foi um choque receber o diagnóstico. Fiquei com muito medo de perder o meu companheiro. Temia também pelo neném. "Minha vida acabou", disse à minha mãe. Pensei em interromper a gestação. Pedi para minha irmã falar com Marcelo. Ela foi se encontrar com ele e disse: "Luciana precisa de você, o exame de HIV deu positivo". A pior parte foi voltar para casa. Só chorava, mas me recordo bem do que ele falou: "A gente tava tão feliz". Ele só repetia isso e chorava."

6/8/2007 - O marido
"Fiquei pensando se teria sido eu a contaminá-la ou ela, a mim. Passei uns dias criando coragem. Até que fiz o exame e deu negativo. Surgiram outras questões: como ia ficar o casamento. Fomos juntos ao infectologista esclarecer se eu podia beijá-la, se podíamos transar." Luciana tirou um peso enorme dos ombros.
"Se Marcelo tivesse contraído o vírus, nunca me perdoaria. Depois de três anos juntos, o fato de ele não ter sido infectado é sensacional. Respirei de novo quando o dele deu negativo."

15/8/2007 - O tratamento
"O infectologista pediu logo um exame para detectar minha carga viral. O resultado foi altíssimo: 3.090.177 cópias do vírus no sangue. Comecei logo a tomar o coquetel. Em casa, o casamento deu aquela balançada. Não fui atrás da pessoa que me contaminou, um ex-namorado, com quem fiquei quatro anos. Não procuro culpados. A vida segue. Infelizmente ou felizmente, o diagnostico me mostrou um outro lado da vida."

29/8/2007 - Outro susto
"Estava na 12ª semana de gestação, quando fomos fazer o ultra-som morfológico. Apareceram um edema e uma característica no osso nasal, que seriam indicativos de síndrome de Down. A médica queria fazer o exame do líquido amniótico para confirmar. Contei que não poderia fazer porque era soropositiva. Havia o risco de contaminar o neném."

24/9/2007 - Boas notícias
"Fiz outro ultra-som. A síndrome de Down foi descartada. Tudo ia bem. Descobrimos o sexo do bebê. Era menino. A decisão de lutar veio quando o médico falou que havia duas hipóteses: ou interromper a gestação ou o feto falecer sozinho. Pensei: o bebê salvou a minha vida, agora é a minha vez de salvar a dele."

24/10/2007 - Vírus
"Meu segundo exame deu 164 cópias do vírus. Reagi muito bem aos remédios. O bebê é meu anjo da guarda. Se não fosse ele, não teria descoberto que era soropositiva. Ele salvou a minha vida. Não sentia nada. Só ia descobrir quando começasse a ter as reações da doença. Ver essa barriga crescer é maravilhoso. Aqui tem vida, tem esperança. Estou aprendendo a viver de uma forma diferente. Acaba um pouco a liberdade do sexo. Na hora da empolgação tem que dar aquela paradinha para colocar camisinha. É importante pra mim que Marcelo continue querendo me tocar e ter relação. Eu me surpreendi muito com ele."

24/1/2008 - Indetectável
"Na 30ª semana de gestação, meu exame de carga viral deu apenas 40 cópias. Conversei com a infectologista pediátrica, os riscos de contaminação no parto são mínimos. Engordei dez quilos." Marcelo também precisa aprender a lidar com a angústia. "O terremoto passou. Nosso convívio é bom, saímos, damos risada. Na intimidade, estamos achando um jeito de nos relacionar de novo. O sexo não acabou, mas ficou mais complicado. Além do HIV, tem o neném. Vamos ver depois. Tirei de letra até aqui."

22/2/2008 - O nascimento de Lucas
O parto está marcado para as 19h30. Pelo protocolo, para reduzir o risco de contágio vertical -de mãe para filho na hora do parto- ela precisa tomar doses extras de AZT na veia nas três horas que antecedem a cesariana. Lucas nasceu com 2,9 kg. Logo tomou a primeira dose de AZT. Em seis semanas, será feito o exame para comprovar se houve contaminação. A chance de ele ter HIV é de 2%.

23/2/2008 - De volta
"Daqui a algumas semanas, vamos fazer o exame de HIV em Lucas, um bebê lindo que veio para iluminar a minha vida."


*Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados


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