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Filhos da esperança
A reportagem acompanhou os passos da saga de três mulheres portadoras do vírus da Aids para gerar filhos sem HIV
Elas não desistiram da maternidade. Geraram vidas
enquanto se defrontavam com uma doença incurável:
são portadoras de HIV, mas carregaram no ventre esperança. A reportagem relata a experiência de três
mulheres com Aids que se tornaram mães. A primeira descobriu no pré-natal que foi contaminada
por um ex-namorado. A segunda viveu o abandono
ao ser diagnosticada soropositiva ainda recém-nascida e, 21 anos depois, deu à luz uma criança livre do
vírus. A terceira encontrou na gravidez uma redenção e hoje tem nos dois filhos razão para viver. Todas contaram com doses extras de coragem, de medicamentos de última geração, de fé e de amor.
ELIANE TRINDADE e ROBERTO DE OLIVEIRA, da Revista da Folha
DA REVISTA DA FOLHA
Após três anos de casados, a
administradora Luciana*, 28, e
o empresário Marcelo*, 37, decidiram ter um filho. Nos três
meses seguintes, eles viveram
um pesadelo que colocou à prova o casamento. No pré-natal,
ela descobriu que era soropositiva. Ele não tem o vírus. A reportagem acompanhou o último mês de gestação e o parto de
Lucas*. "Ele foi o meu anjo da
guarda", resume Luciana.
11/7/2007 - Descoberta
"Vinha cobrando do Marcelo
que queria ter um filho, até que
ele disse: "Vamos tentar". Depois de 20 dias, estava grávida.
No pré-natal, o médico solicitou todos os exames, inclusive
o de HIV. Três dias depois, ligaram do laboratório pedindo para eu repetir o de Aids. Fiquei
assustada."
2/8/2007 - HIV positivo
"O laboratório levou 15 dias
para confirmar o diagnóstico.
Fui até lá com a minha mãe. Pedi para que ela não me deixasse
sozinha. Entrei no laboratório
às 14h e saí de lá às 18h30. Foi
um choque receber o diagnóstico. Fiquei com muito medo de
perder o meu companheiro.
Temia também pelo neném.
"Minha vida acabou", disse à minha mãe. Pensei em interromper a gestação. Pedi para minha
irmã falar com Marcelo. Ela foi
se encontrar com ele e disse:
"Luciana precisa de você, o exame de HIV deu positivo". A pior
parte foi voltar para casa. Só
chorava, mas me recordo bem
do que ele falou: "A gente tava
tão feliz". Ele só repetia isso e
chorava."
6/8/2007 - O marido
"Fiquei pensando se teria sido eu a contaminá-la ou ela, a
mim. Passei uns dias criando
coragem. Até que fiz o exame e
deu negativo. Surgiram outras
questões: como ia ficar o casamento. Fomos juntos ao infectologista esclarecer se eu podia
beijá-la, se podíamos transar."
Luciana tirou um peso enorme
dos ombros.
"Se Marcelo tivesse contraído o vírus, nunca me perdoaria.
Depois de três anos juntos, o fato de ele não ter sido infectado
é sensacional. Respirei de novo
quando o dele deu negativo."
15/8/2007 - O tratamento
"O infectologista pediu logo
um exame para detectar minha
carga viral. O resultado foi altíssimo: 3.090.177 cópias do vírus
no sangue. Comecei logo a tomar o coquetel. Em casa, o casamento deu aquela balançada.
Não fui atrás da pessoa que me
contaminou, um ex-namorado,
com quem fiquei quatro anos.
Não procuro culpados. A vida
segue. Infelizmente ou felizmente, o diagnostico me mostrou um outro lado da vida."
29/8/2007 - Outro susto
"Estava na 12ª semana de
gestação, quando fomos fazer o
ultra-som morfológico. Apareceram um edema e uma característica no osso nasal, que seriam indicativos de síndrome
de Down. A médica queria fazer
o exame do líquido amniótico
para confirmar. Contei que não
poderia fazer porque era soropositiva. Havia o risco de contaminar o neném."
24/9/2007 - Boas notícias
"Fiz outro ultra-som. A síndrome de Down foi descartada.
Tudo ia bem. Descobrimos o
sexo do bebê. Era menino. A
decisão de lutar veio quando o
médico falou que havia duas hipóteses: ou interromper a gestação ou o feto falecer sozinho.
Pensei: o bebê salvou a minha
vida, agora é a minha vez de salvar a dele."
24/10/2007 - Vírus
"Meu segundo exame deu
164 cópias do vírus. Reagi muito bem aos remédios. O bebê é
meu anjo da guarda. Se não fosse ele, não teria descoberto que
era soropositiva. Ele salvou a
minha vida. Não sentia nada. Só
ia descobrir quando começasse
a ter as reações da doença. Ver
essa barriga crescer é maravilhoso. Aqui tem vida, tem esperança. Estou aprendendo a viver de uma forma diferente.
Acaba um pouco a liberdade do
sexo. Na hora da empolgação
tem que dar aquela paradinha
para colocar camisinha. É importante pra mim que Marcelo
continue querendo me tocar e
ter relação. Eu me surpreendi
muito com ele."
24/1/2008 - Indetectável
"Na 30ª semana de gestação,
meu exame de carga viral deu
apenas 40 cópias. Conversei
com a infectologista pediátrica,
os riscos de contaminação no
parto são mínimos. Engordei
dez quilos." Marcelo também
precisa aprender a lidar com a
angústia. "O terremoto passou.
Nosso convívio é bom, saímos,
damos risada. Na intimidade,
estamos achando um jeito de
nos relacionar de novo. O sexo
não acabou, mas ficou mais
complicado. Além do HIV, tem
o neném. Vamos ver depois. Tirei de letra até aqui."
22/2/2008 - O nascimento
de Lucas
O parto está marcado para as
19h30. Pelo protocolo, para reduzir o risco de contágio vertical -de mãe para filho na hora
do parto- ela precisa tomar
doses extras de AZT na veia nas
três horas que antecedem a cesariana. Lucas nasceu com 2,9
kg. Logo tomou a primeira dose
de AZT. Em seis semanas, será
feito o exame para comprovar
se houve contaminação. A
chance de ele ter HIV é de 2%.
23/2/2008 - De volta
"Daqui a algumas semanas,
vamos fazer o exame de HIV
em Lucas, um bebê lindo que
veio para iluminar a minha vida."
*Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados
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