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MARILENE FELINTO
O candidato dos Estados Unidos
Quando estive nos Estados Unidos pela primeira
vez, em 1992, fui apresentada, no
rol de classificações que moldam
o pensamento americano sobre o
"outro", como: "mulher, negra e
pobre", escritora brasileira convidada para dar um minicurso sobre a "literatura brasileira feminina" na universidade da Califórnia, em Berkeley.
Essa descrição constava da
apresentação do curso para matrículas. Foi desconcertante. Na
primeira aula, fiz questão de reparar o equívoco: "gostaria de dizer que sou mulher mas não sou
feminista, que não me considero
negra mas sim mestiça ou miscigenada, como queiram, que não
sou mais tão pobre quanto fui na
infância e que não gosto de samba nem de futebol".
Foi meu primeiro choque cultural com os EUA. Minha primeira
tentativa de dizer que não sou o
que eles pensam que somos. As
professoras do departamento viraram a cara para mim. O curso
foi um fracasso, exceto pelos alunos, que aceitaram a novidade e
viraram amigos meus.
Preâmbulo inútil. Só para ilustrar como os Estados Unidos adoram especializações: brasilianistas, colombianistas, qualquer
classificação dessas que tentem
explicar a eles as diferenças entre
o resto do mundo e eles próprios.
A palavra "brasilianista" vem,
aliás, da inglesa "brazilianist".
Foi inventada lá fora.
Nacionalismos à parte, esse detalhe se torna significativo, porém, quando se trata da análise
de um "especialista em América
Latina" sobre as eleições presidenciais deste ano no Brasil.
Em artigo publicado na Folha
domingo último ("A eleição brasileira pode modificar o mapa político da região"), Andres Oppenheimer, correspondente na
América Latina do jornal "Miami Herald", descreve o que, aos
olhos dos EUA, pode acontecer na
América Latina se Luiz Inácio
Lula da Silva ganhar a eleição
presidencial deste ano.
O que pode acontecer, opinião
que Oppenheimer atribui aos
"círculos diplomáticos americanos", é uma verdadeira desordem
no mapa do continente, definida
por: aumento sensível das atuais
"dores de cabeça" da administração Bush no continente (Argentina, Colômbia e Venezuela); formação de um "novo bloco globofóbico", encabeçado pelo Brasil,
que se oporia ao plano respaldado pelos EUA de criar a Área de
Livre Comércio das Américas (Alca); fortalecimento dos laços do
Brasil com Cuba e com a guerrilha marxista colombiana.
Ainda que Oppenheimer cite
outras opiniões sobre o assunto,
como a de "dois ex-funcionários
de alto escalão do Departamento
de Estado", considerando "que
uma vitória de Lula não necessariamente levará a transformações
radicais no Brasil ou na América
do Sul", o artigo traça um quadro
tão obsoleto da realidade política
daqui que é risível.
Fora esse linguajar sobre "Cuba" e "guerrilha marxista" lembrar os anos 60 (e o sobrenome do
articulista, igual ao dos irmãos
Oppenheimer, que inventaram lá
a bomba atômica na época), toda
a análise dos americanos é um insulto à inteligência de qualquer
brasileiro minimamente informado. Fora os erros nos números
sobre a rejeição a Lula informados no artigo.
Só revela a prepotência e a esquizofrenia capitalista dos donos
do mundo. Ainda que o PT fosse
hoje o partido da luta armada, já
seria consciente da impossibilidade de se libertar do jugo da globalização, da esmagadora americanização das economias e das culturas do mundo. Quanta arrogância. É terrível viver num país
cujos presidentes são sempre os
escolhidos dos Estados Unidos.
Ah, antes que eu me esqueça: o
artigo dizia que o candidato favorito dos Estados Unidos é José Serra, para quem não sabia.
E-mail - mfelinto@uol.com.br
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