São Paulo, segunda-feira, 09 de abril de 2007

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MOACYR SCLIAR

Heavy metal

Cada vez que os pais tentavam tocar um CD da banda ela protestava, revoltada, que aquilo não era música

 

"Metallica" pode ser um bom nome para uma banda de heavy metal, mas, segundo um casal na Suécia, o nome também é ideal para sua filha de seis meses. Autoridades do país, no entanto, discordaram da opção de registro do casal, levando Michael e Karolina Tomaro a uma batalha judicial que já dura meses. As autoridades locais rejeitaram a escolha do nome. Embora a pequena Metallica já tenha sido batizada, o Conselho Nacional de Registro Sueco recusou o registro do nome, afirmando que haveria uma relação estabelecida entre a menina e o grupo de rock. Tomaro disse que os oficiais também classificaram o nome como "feio". O casal recorreu à Corte Administrativa em Goteborg, a qual decidiu que não havia razão para que o nome fosse proibido. Mas a agência apelou a uma corte mais alta, que confirmou a rejeição do nome.
Folha Online

PRIMEIRO FOI a briga com os cunhados. Fãs do Iron Maiden, eles não admitiam que alguém pudesse dar a uma filha o nome de Metallica; terminaram por romper relações. Depois, e mais grave, foi a briga legal. As autoridades sustentavam que o nome era no mínimo estranho e poderia representar um transtorno para a menina. Mas, dizia o pai da garotinha, o que podem autoridades entender de heavy metal? O que sabia aquela gente de sucessos como "Enter Sandman", "Nothing Else Matters", "Whiskey in the Jar"?
Lá pelas tantas, contudo, ficou claro que dificilmente ganhariam a batalha judicial. E aí só lhes restavam duas opções: ou desistiam de dar à filha o nome de Metallica ou deixavam a Suécia. Deixaram a Suécia. Foram morar num pequeno país da América Central onde um funcionário condescendente aceitou, sem reclamar, o nome Metallica e até elogiou o gosto musical dos pais. A menina cresceu. Era robusta, inteligente. E, para alegria dos pais, revelou um talento musical incomum: andava pela casa batucando num pequeno tambor. O pai achou que estava ali uma vocação de baterista; quem sabe ela um dia faria parte do próprio Metallica? Ficaria evidente que o nome tinha condicionado seu destino.
Logo, porém, a euforia foi dando lugar ao desapontamento e mesmo à apreensão. A vocação se mantinha, cada vez mais forte. Mas a preferência é que mudava, e mudava de forma alarmante. Ao invés de continuar com a percussão, a garota agora tocava violino. E, pior, ela não queria ouvir o Metallica. Cada vez que os pais tentavam tocar um CD da banda ela protestava, revoltada, que aquilo não era música, aquilo era barulheira. E o que era música, para ela? Era Mozart, era Albinoni, era Vivaldi. Os clássicos, em suma. A "Pequena Serenata Noturna", de Mozart, deixava-a extasiada. O "Adágio", de Albinoni, levava-a às lágrimas.
Aos 12 anos, já está tocando numa orquestra juvenil, que faz o maior sucesso e que inclusive se apresentou na Suécia. Quanto aos pais, estão muito amargurados. Eles sabem que erraram, mas não sabem exatamente onde erraram. Suspeitam de que tenha sido no próprio nome. Estão até pensando em ter outro filho. Ao qual darão o nome de Black Sabath, ou Led Zeppelin, ou Megadeth. Um desses dará certo. Pelo menos é o que esperam.


MOACYR SCLIAR escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em matérias publicadas na Folha de São Paulo.


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