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PASQUALE CIPRO NETO
Os "planos" de Felipão
Não se preocupe, caro leitor.
Não vou meter minha colher no vai-não-vai sobre Romário, nem vou atrever-me a palpitar sobre o trabalho de Felipão.
Quero trocar duas palavras com
você sobre esta frase, que teria sido dita pelo técnico da seleção na
última segunda-feira, depois de
anunciar seus prediletos: "Se perder, estou morto, mesmo que levasse Romário".
Comecemos pelo par "Se perder,
estou morto", ou, mais precisamente, pelo par "perder"/"estou".
Talvez você já tenha ouvido alguém dizer que, em casos como
esse, é obrigatório o futuro do presente ("Se perder, estarei morto").
Será que é isso mesmo? Nem pensar! Nem nesse caso, nem em frases como "Passo na sua casa amanhã", que muita gente insiste em
dizer que se deve trocar por "Passarei na sua casa amanhã".
No último exemplo, já há marca de futuro no advérbio "amanhã", o que torna possível optar
entre "passarei" e "passo". Esta
forma, por sinal, confere à afirmação maior dose de certeza.
E o "estou" de Felipão? Entra no
mesmo caso. A conjunção "se" e a
forma verbal "perder" (do futuro
do subjuntivo) já contêm marcas
de futuro. Deve-se considerar
também o fato de que, com "estou" no lugar de "estarei", o falante aproxima e antecipa a cena.
É bom que fique bem claro que
nos dois casos seria perfeitamente
possível optar pelo futuro do presente ("Amanhã passarei na sua
casa"; "Se perder, estarei morto").
Vejamos agora a continuação
da frase atribuída a Felipão
("...mesmo que levasse Romário"). O treinador teria errado ao
empregar "levasse"? Deveria ter
empregado "leve" ("mesmo que
leve Romário")? Não, caro leitor,
a questão não é de erro ou acerto.
A discussão é outra. Você percebeu que, ao empregar "levasse",
Felipão mudou de plano?
Vejamos o que ocorre. Quando
diz "Se perder, estou morto", o
treinador se refere à certeza de
que, na hipótese de derrota, estará "morto". É aí que entra o segundo plano, baseado em outra
hipótese, a de levar Romário.
Para o treinador, com Romário
ou sem ele, a derrota não o livrará
(ou livraria) do cadafalso. É como
se ele tivesse dito isto: "Se perder,
estou (ou "estarei') morto, como
também estaria morto se perdesse
com Romário no grupo". Pobre
Felipão! Mais um pouco e acabo
transformando-o num defunto
autor, com a devida licença de
mestre Machado.
É bom que se diga que, no discurso do treinador, a mudança
para o plano da segunda hipótese
(a derrota com Romário) se dá
com "estaria" (forma verbal implícita). Essa mudança de plano
possibilitaria até o emprego de
"tivesse levado" no lugar de "levasse": "Se perder, estou morto,
como também estaria morto mesmo que tivesse levado Romário".
Nesse caso, o treinador se transportaria para a entrevista coletiva imediatamente posterior à eliminação. Epa! Nessa situação, Felipão não diria "mesmo que tivesse levado"; diria "mesmo que tivesse trazido".
Que coisa complicada! Uma
coisa é certa: muito melhor que a
insossa decoreba da conjugação
de verbos é entender que a escolha das formas verbais interfere
diretamente no que se quer dizer,
determina o plano em que se
põem as afirmações etc. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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