São Paulo, Domingo, 09 de Maio de 1999
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FERTILIZAÇÃO
Conselho de Medicina determina o congelamento e proíbe a destruição mesmo que autorizada pelo casal
Pais deixam embriões órfãos em clínicas

CLÁUDIA COLLUCCI
da Redação

Um dos maiores dilemas hoje na área da reprodução humana é o destino dos embriões congelados deixados nas clínicas após processos de fertilização artificial.
No Brasil, ainda não há lei que regulamente a questão, mas uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) proíbe o descarte dos embriões excedentes e determina que sejam mantidos congelados indefinidamente.
O único destino aceito pelo CFM é a doação com autorização do casal. Ocorre que muitos casais, por razões que vão desde a obtenção da gravidez desejada até um divórcio, abandonam seus embriões nas clínicas.
Mantidos em tanques de nitrogênio, a temperaturas inferiores a 190C negativos, esses embriões "órfãos" têm destino incerto, que esbarra em questões legais, éticas e religiosas.
Segundo levantamento feito pela Folha nas dez maiores clínicas de reprodução humana do país, há cerca 4.000 embriões congelados. Desses, pelo menos 1.000 foram "abandonados" pelos pais.
Segundo Antônio Henrique Pedrosa, 49, secretário-geral do CFM, a destruição dos embriões é proibida até mesmo quando há autorização dos pais para isso (leia texto abaixo).
Não é o que acontece em muitas clínicas espalhadas pelo país. A Folha apurou que, mediante autorização dos pais, esses embriões são destruídos. Algumas chegam a implantar os embriões em um período improvável de a mulher engravidar, como durante a menstruação, para que haja um descarte "natural".
Com relação aos embriões órfãos, muitos médicos defendem que eles possam ser doados a outros casais, ou simplesmente descartados.
A Igreja Católica condena todas essas práticas. Em documento intitulado "Instrução Sobre o Direito à Vida Humana Nascente e a Dignidade da Procriação", de 1987, a igreja considera os embriões seres humanos, e não apenas "um aglomerado de células".
Segundo o padre Léo Pessini, 43, especialista em bioética, a igreja prega que os embriões devam ser tratados como pessoa.
Ele diz que entre os religiosos liberais e ortodoxos existe uma unanimidade: embrião não é coisa. "Ele já participa da mesma dignidade da pessoa humana e deve ter seus direitos preservados." O descarte de embriões seria, para a igreja, o mesmo que um aborto.
Para o andrologista Roger Abdelmassih, de São Paulo, a vida começa no momento em que o embrião gruda no útero. "Não fico tão desesperado com essa polêmica porque tenho convicção que embrião não é vida", afirma. Segundo ele, a clínica tem, no máximo, 60 embriões congelados.
Ele afirma que, desde o início do processo de congelamento, os casais assinam um termo se comprometendo a implantar, doar ou autorizar o descarte dos embriões excedentes congelados em um prazo máximo de três anos. Ele diz que não tem nenhum caso de "embrião órfão".
"Se os embriões não são gente, têm um grande potencial para ser", diz o médico José Gonçalves Franco Júnior, diretor brasileiro da Rede Latino-Americana de Reprodução Assistida. Ele afirma que mais de 60 crianças já nasceram no seu centro, em Ribeirão Preto, por meio da técnica de congelamento de embriões.
Franco Júnior tem 2.313 embriões congelados em sua clínica. Ele afirma que o índice de abandono varia de 20% a 25%. "Muitos dos clientes são de outros Estados e fica difícil para eles vir até aqui."
Segundo o médico Edson Borges Júnior, 38, diretor da Fertility, uma equipe está procurando os 94 casais que mantêm embriões congelados para saber que destino dar ao material.
Eles têm as opções de mantê-lo congelado, doar ou autorizar o descarte. Para deixar os embriões congelados, a clínica cobra uma taxa de R$ 480 por semestre.
O médico diz que a clínica perdeu contato com pelo menos 20 pais que "abandonaram" seus embriões. Muitos mudaram de endereço e não informaram a clínica. Outros se separaram e não querem mais saber dos embriões.
Borges Júnior afirma que vai pedir autorização ao Conselho Federal de Medicina para descartar os embriões "abandonados".
Segundo Maria do Carmo Borges de Souza, 46, responsável pela Clínica GO Barra, no Rio de Janeiro, a maior preocupação das clínicas é com o prazo indefinido para o congelamento dos embriões. "Não nos interessa essa tutela por um prazo indeterminado." A clínica tem 40 embriões congelados.


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