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CELOBAR
Pelo menos cinco pessoas já tinham morrido; parentes de vítimas do contraste relatam "loteria da desgraça"
Alerta foi feito uma semana após morte
FABIANE LEITE
ENVIADA ESPECIAL A GOIÂNIA
O laboratório Enila do Rio de
Janeiro veio a público explicar
que havia algum problema com o
lote 3040068 do Celobar uma semana depois de começarem a
ocorrer mortes relacionadas ao
contraste utilizado em exames radiológicos.
Era dia 26 de maio, uma segunda-feira, quando a empresa publicou um anúncio de pé de página
no jornal "O Globo" em que comunicava o recolhimento do lote
por estar "impróprio ao uso, podendo causar diarréia, dor abdominal e vômito". Em Goiás, pelo
menos cinco pessoas já tinham
morrido após tomar a droga.
Na sexta-feira passada, a vigilância sanitária descobriu que o
contraste estava contaminado
por altas quantidades de substâncias tóxicas. Um dos donos do
Enila, Márcio D'Icarahy, deverá
depor hoje à polícia do Rio.
A semana de 18 de maio, que
antecedeu o anúncio, foi a da "loteria da desgraça" para os pacientes, como diz, melancólico, o advogado Jorge, marido de uma das
vítimas. A maior parte dos 4.500
frascos do lote em questão foi parar em Goiás.
No dia 18, um domingo, o mecânico José Pedro Mateus, 38, estava em casa com a família. "Vou
fazer um exame amanhã", disse a
uma das cunhadas.
Na segunda-feira ensolarada tomou o ônibus com a mulher, Maria Ivonete, e chegou ao laboratório por volta das 7h30, para fazer o
raio-X do esôfago. Nos últimos
tempos, ele andava engasgando
com a comida.
Para voltar à casa, na periferia
de Goiânia, chamou a ajuda de
um amigo que tem carro. No caminho, a barriga revirava, doía.
"Ele era um homem forte, de mais
de 100 kg, que parecia ter emagrecido quilos em algumas horas",
descreve Maria Ivonete, que correu para o centro de saúde logo
depois de chegar em casa.
Em dois postos não havia médicos. No último, José Pedro recebeu soro. A enfermeira chegou a
fazer uma brincadeira sem graça:
"não é hoje que a senhora fica viúva". "Vou morrer", contestou José Pedro mais tarde, já em uma
cadeira de rodas, no hospital para
o qual foi transferido.
pós 14 horas, o homem saudável, chamado de Maguila pelos
amigos, morreu.
Dia das mães
Um domingo antes, Dia das
Mães, a professora de inglês Rejane Lapolli Azevedo Ferreira, 51,
recebeu uma cesta com presentes
do Canadá. Posou para fotos para
enviar ao filho que vive fora do
país e fizera a surpresa. Iria enviar
para ele. "Não deu tempo", afirma
o marido, Jorge.
No dia 20 de maio, às 10h, Rejane já estava em uma das melhores
clínicas de Goiânia para o exame
de contraste. Queria saber de uma
vez o que era aquela gastrite leve.
"Quando chegou em casa, o rosto
dela repuxava", relembra Jorge.
O marido discou inúmeras vezes o número de celular do médico que pediu o exame. Não o encontrou até algumas horas antes
da morte da mulher.
No dia em que Rejane morreu,
21 de maio, José Emílio passou a
tarde desesperado, ajoelhado ao
lado da mulher. Não conseguia tirá-la da cama. Suando muito, os
dedos roxos e vomitando, ela não
tinha forças. A empregada doméstica Marizete Franco Felix de
Barros, 41, havia feito um exame
com o contraste Celobar. Sentia-se "embuchada".
José Emílio comprou dois frascos de Celobar na farmácia, lembra bem. A clínica é que havia pedido. Marizete acredita que "por
ser jovem" não morreu. É um dos
105 casos registrados em Goiás de
pessoas que passaram mal mas
sobreviveram.
Quando conseguiu andar foi recusada em dois atendimentos públicos porque os médicos diziam
a ela que não sabiam o que fazer.
Segundo a Vigilância Sanitária
de Goiás, quando ela procurou as
unidades "já não estava tão mal".
Na última sexta, recorreu novamente à vigilância e foi pela primeira vez à polícia. Decidiram interná-la no Hospital de Urgências
para tratar a fraqueza decorrente
da intoxicação.
Gosto ruim
Às 10h do dia 22 morreu Otávio
Gonçalves de Lima, 63. Em 24 horas, perdera o movimento dos
braços e pernas. "Este remédio do
mesmo jeito que entra, sai", dizia
o médico pouco antes.
No dia seguinte morreu a cabeleireira Aldenora Izídio da Silva,
56 . O gosto está muito ruim, parece maisena crua", reclamou ela
a amiga Elza depois de engolir o
contraste. Depois do exame, foi
levada para casa por Eduardo, estudante de direito. "Vou fazer o
almoço para o seu pai", disse, disfarçando o mal estar.
Por volta das 13h, o filho mais
novo, de 13 anos, saiu à procura
de ajuda. Ainda não voltara quanto o telefone tocou. Era outra amiga de Aldenora. Ela demorou para
atender. "Vem para cá que eu tô
morrendo sozinha", disse quando
pegou o telefone.
Mais tarde, a clínica radiológica
informou à polícia que Aldenora
teria tomado contraste de outra
marca, o Bariogel. Mas a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária
descartou a possibilidade da outra droga ter alguma relação com
a morte da cabeleireira.
Na capela do hospital, o corpo
de Nivaldo Belchor, outra morte
relacionada ao Celobar, foi velado
ao lado do de Aldenora. As famílias comentavam sobre o contraste. Desconfiavam que algo estava
errado, mas ninguém ouviu.
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