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A morte de um revolucionário
LUÍS NASSIF
COLUNISTA DA FOLHA
Com a morte do comandante
Rolim Adolfo Amaro, o Brasil perde o mais importante empresário da atualidade, o homem
que revolucionou a aviação regional brasileira, depois, a aviação
nacional, que revolucionou a maneira das empresas tratar seus
clientes, e que se preparava para o
maior salto da sua carreira: uma
fusão entre a sua TAM e a Varig
que iria permitir ao Brasil possuir
uma companhia aérea de dimensão internacional, do tamanho de
uma Ibéria.
A última vez que o encontrei foi
há duas semanas, em Paris, durante a Feira Aeroespacial. Rolim
soube que eu estava por lá, passou
no hotel para me pegar e me convidou para um coquetel na embaixada do Brasil, preparado em
sua homenagem e da Embraer.
Estava sedento de conversa, de
narrar reminiscências, talvez devido aos 25 anos da TAM, que iria
comemorar em seguida, talvez
devido a um pressentimento
qualquer.
Depois do coquetel, saímos para
jantar em um restaurante com
mesas na calçada. No jantar Rolim estava solto, rindo alto, chamando a atenção pela euforia.
Durante a Feira vivera mais um
grande momento, sendo capa da
principal publicação devido ao
anúncio de uma compra bilionária de aeronaves da Airbus e da
Embraer.
Rolim estava acompanhado da
esposa, da irmã e de seu principal
homem na TAM, o vice-presidente Daniel Mandelli Martin.
Rolim relembrou as dificuldades
que teve com a Fokker para adquirir os primeiros aviões. Depois,
o ganho extraordinário com o
aparelho, que lhe permitia uma
economia operacional da ordem
de 10% e um preço de passagem
bastante superior ao da concorrência, graças à excelência do
seu serviço.
A conversa evoluiu para episódios seus com grandes personagens da história. Rolim era um
cultivador de amigos, um admirador permanente de empreendedores. Costumava almoçar periodicamente com João Saad, da TV
Bandeirantes, com Amador
Aguiar, do Bradesco, com o ex-presidente Jânio Quadros, com
Olacir Moraes, do grupo Itamaraty. Combinamos, na volta ao
Brasil, um encontro mensal, pelo
menos, para que ele me passasse
suas histórias. A idéia era escrever
um livro de crônicas com o perfil
de grandes personagens brasileiros com quem Rolim convivera.
Eu lhe devia essa porque foi o estímulo de Rolim que me fez enveredar pelas crônicas de domingo,
sem a preocupação de encontrar
um "gancho" contemporâneo.
Com Jânio no ostracismo, certa
vez Rolim recebeu o então presidente João Baptista Figueiredo
em Congonhas. Na fila de cumprimentos sugeriu que Figueiredo
fosse visitar Jânio, aquela altura,
antes das últimas campanhas para governador e prefeito de São
Paulo, morando em um pequeno
apartamento. Visita de presidente para ex-presidente. Figueiredo respondeu com um palavrão, disse que não iria porque não
gostava de Jânio. Rolim foi atrevido: "O senhor vai deixar o poder e
também não vai ter ninguém que
lhe dê atenção". Os presentes se
espantaram com o atrevimento.
Horas depois Figueiredo lhe telefonou pedindo que o acompanhasse na visita a Jânio. No encontro, Jânio elogiou a política de informática, recém aprovada por
Figueiredo. Depois que o presidente saiu, Rolim estranhou:
Jânio dizia que a política era perniciosa ao país. Mas Jânio explicou: "Foi um pequeno afago, porque qualquer coisa que eu falasse
não ia adiantar nada mesmo".
Com seu João Saad, da Bandeirantes, recolhia histórias sobre a
política nacional. Com Amador
Aguiar, conselhos sobre a vida
empresarial. Rolim morria de rir
e de admiração de episódios que
demonstravam os hábitos morigerados de Amador Aguiar. Esse
respeito pela empresa, orgulho
pelo trabalho e repulsa à ostentação marcavam o estilo Amador
Aguiar e o estilo Rolim. Na TAM,
contava ele, nenhum diretor tinha direito a viajar de primeira
classe, nem mesmo ele. A única
pessoa com direito era sua esposa,
dona ........ Os demais só faziam
"upgrade" para a primeira classe
se houvesse vagas.
Contava isso e ironizava outras
companhias que ofereciam passagens de primeira classe a autoridades de todos os níveis. O respeito pelo cliente era tão grande dizia ele que semanas atrás a TAM
viveu um qüiproquó com o governador mineiro Itamar Franco,
que queria porque queria uma
passagem para a namorada para
o Estados Unidos, atropelando a
fila.
A conversa prosseguiu pontilhada de recordações, observações
sobre o país e sobre os amigos. Rolim era um amigo dos mais solidários. No período em que Olacir Moraes passou por problemas
difíceis em seu grupo, Rolim ia visitá-lo todo domingo, levando
apoio e amizade. Incomodava-o
a mudança de vida de Olacyr, os
sanguessugas da noite que passaram a rodeá-lo. Mas a admiração
pelo empreendedor era enorme.
Contava com admiração a maneira como Olacir mudou o plantio de soja no centro-oeste, introduziu novas variedades de milho
e se tornara o maior produtor de
álcool do país.
Rolim jamais abjurou suas
raízes caipiras. Era caipira sim, e
comportava-se como tal inclusive
no grande xadrez da aviação
mundial, preservando o orgulho
das raízes, a sagacidade, o senso
de palavra dos caipiras.
Em sua estada em Paris teve um
almoço com o presidente da Airbus, Richard Gaona. No almoço
narrou as enormes pressões que
sofreu da Boeing quando se decidiu pelas aeronaves do concorrente. Contou inclusive o telefonema de Jack Welch, o todo poderoso presidente da GE fornecedora
da Boeing-, com ameaças explícitas a ele.
Rolim narrava o encontro e se
regalava com a reação do presidente da Airbus. Lá pelas tantas,
o caipira paulista piscou para
mim e admitiu: "Exagerei um
pouco para valorizar minha
adesão à Airbus". Mas o presidente ficou tão impressionado
que garantiu o apoio total da Airbus a um eventual processo de
fusão com a Varig.
Do interior de São Paulo, Rolim
tornara-se personagem relevante
nas grandes disputas aeronáuticas mundiais. Para chegar aonde
chegou, passou por uma sucessão
de grandes desafios. Um deles, foi
um câncer de garganta que o fez
começar escrever suas memórias
precocemente, achando que seu
tempo tinha terminado. De volta
do tratamento nos Estados Unidos, a perspectiva da morte parece que lhe deu um choque. Voltou com um sentido de urgência e
uma competência empresarial
inéditas. O crescimento da companhia se dava aos saltos, com todos os aspectos sob controle, do
padrão de qualidade à solidez financeira.
O segundo baque foi na queda
do Fokker 100, ao qual se seguiu a
bomba que quase derrubou um
segundo Fokker. Na época, foi incriminado um professor aposentado. Para Rolim foi um atentado
com o objetivo de alijar definitivamente a companhia do mercado. Não atribuía à direção de empresas concorrentes, mas a grupos
informais, radicais, dentro dessas
companhias, incomodados com
seu crescimento. Jamais desculpou o DAC (Departamento de
Aviação Civil) por ter impedido
as investigações. Na época, chegou a contratar a Kroll e, de um
dos mais renomados técnicos, ouviu a explicação de que jamais a
bomba poderia ter sido preparada pelo professor. Para ele, o DAC
impediu as investigações porque
era dele a responsabilidade pela
segurança nos aeroportos, e qualquer conclusão colocaria em xeque seu trabalho.
Morreu de morte besta, mas seu
trabalhoi frutificou, não apenas
na TAM mas no modelo que foi
para todas as empresas brasileiras, quando a abertura e a globalização passaram a exigir modernidade, respeito pelo cliente e fé
no país. O lema da TAM era:
"uma empresa genuinamente
brasileira".
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