São Paulo, segunda-feira, 09 de julho de 2001

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MOACYR SCLIAR

A cor dos nossos juros

Negro que compra carro nos EUA paga juro mais alto.
Folha Dinheiro, 5.jul.2001

No começo a taxa de juros para o comprador do automóvel era estabelecida mediante um critério puramente subjetivo: o vendedor olhava para o cliente, e, se se tratava de um branco a taxa era uma, se se tratava de um negro a taxa era outra. Mas as próprias empresas deram-se conta de que tal procedimento era falho. Entre branco e preto há muitas variações, e essas variações precisariam ser contempladas mediante taxas diferenciais. O problema era: como fazê-lo?
Um teste preliminar revelou que o olho do vendedor não era adequado para isso; o julgamento final dependia muito de concepções pessoais sobre a questão da cor da pele. E, como declarou um empresário do setor, preconceitos são incompatíveis com bons negócios.
Solicitou-se a ajuda de técnicos. Depois de muitas pesquisas, um aparelho foi criado, e recebeu o nome de colorímetro-jurômetro. Basicamente tratava-se de uma célula fotoelétrica capaz de "ler" a cor da pele do cliente, distinguindo-a entre mais de 300 tonalidades. Mediante um simples programa de computador, o resultado era transformado em um número, expressão da taxa de juros no financiamento. Nada pessoal, portanto.
O aparelho parecia a solução final do espinhoso problema. Mas, como às vezes acontece nesses casos, surgiram situações inesperadas. Uma revenda de automóveis recebeu a visita de um cliente albino. O aparelho foi aplicado à pele deste e o resultado surpreendeu o vendedor: a taxa de juros era negativa. Ou seja, o comprador deveria receber dinheiro, ao invés de desembolsá-lo. Também verificou-se que clientes brancos, depois de uma temporada de praia, eram taxados excessivamente, o que não parecia justo, e gerou protestos.
De momento, as revendas de automóveis estão pensando no que chamam de modelo brasileiro: uma taxa de juros democrática, igual para todos. E, sobretudo, muito elevada. O que tem uma dupla vantagem: eleva os lucros e dispensa aparelhos complicados.


Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal.


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