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O PERIGO MORA AO LADO
Estima-se que 90% dos boletins de ocorrência sejam de vítimas pobres; só 20% vão à polícia
Classe média não denuncia
abuso sexual
da Reportagem Local
As classes média e alta são as que
menos denunciam crimes de violência sexual. Do total de boletins
de ocorrência nas delegacias da
mulher, estima-se que 90% sejam
de mulheres pobres.
Se somarmos esse dado à estimativa brasileira de que no máximo 20% dos casos de abuso sexual
chegam à polícia, a conclusão é
que o número desse tipo de crime
pode ser muito maior. "Na verdade, tudo que temos registrado nas
delegacias é a ponta do iceberg.
Parece que o estupro é um crime
de pobre. Mas, na verdade, as classes mais altas não denunciam",
diz Jefferson Drezett, do Centro de
Referência da Saúde da Mulher.
A responsável pela 8ª Delegacia
de Defesa da Mulher (São Mateus,
zona leste de São Paulo), Márcia
Salgado, concorda. Como geralmente o estuprador tem um perfil
semelhante ao da vítima, a falta de
denúncia acaba favorecendo os
agressores de classe média. Mas os
casos já começam a aparecer nas
delegacias da mulher.
Márcia cita o exemplo de um engenheiro que abordava as vítimas
de carro, simulava um sequestro,
vendava as meninas e as estuprava
no seu escritório em São Paulo. O
ataque sempre ocorria em Santo
André. Até que uma delas conseguiu chamar a polícia. Casado,
com dois filhos, ele negou. Só foi
preso porque outras meninas também fizeram o reconhecimento.
No Centro de Referência, os casos de classe média são 9% do total. "Temos dentistas, advogadas
e professoras que são exceções,
mas que procuraram a gente porque não encontraram em outros
locais um tratamento global do
problema", afirma Drezett.
A maioria, no entanto, prefere a
discrição dos consultórios médicos particulares. O psiquiatra Hélio Martins Filho tem três pacientes vítimas de estupro. Duas estupradas por pessoas desconhecidas
e a terceira, por um primo. Apenas
uma delas foi à polícia.
"Mas ela foi repreendida pela
família, que achava que ela não
deveria se expor", afirma Martins
Filho. Moradora dos Jardins (bairro de classe média), ela foi abordada na rua e estuprada em uma casa
abandonada. Reagiu e apanhou.
Nos outros dois casos, o caso
não saiu do consultório. Um é de
uma adolescente de classe média
alta que foi estuprada em uma festa pelo primo. "A família dessa
menina me disse que "polícia era
coisa para pobre'", conta.
O outro é de uma advogada que
foi estuprada na saída de uma festa, mas não contou nem para a família. "Ela só contou para uma
amiga, que me indicou. Chegou ao
meu consultório dez dias depois
do estupro. Eu fui uma espécie de
confidente. O que me surpreendeu
nesse caso é que a vergonha que
ela sentiu foi maior até que a preocupação com a própria saúde."
(LUCIA MARTINS)
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