São Paulo, domingo, 9 de agosto de 1998

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O PERIGO MORA AO LADO
Estima-se que 90% dos boletins de ocorrência sejam de vítimas pobres; só 20% vão à polícia
Classe média não denuncia
abuso sexual

da Reportagem Local

As classes média e alta são as que menos denunciam crimes de violência sexual. Do total de boletins de ocorrência nas delegacias da mulher, estima-se que 90% sejam de mulheres pobres.
Se somarmos esse dado à estimativa brasileira de que no máximo 20% dos casos de abuso sexual chegam à polícia, a conclusão é que o número desse tipo de crime pode ser muito maior. "Na verdade, tudo que temos registrado nas delegacias é a ponta do iceberg. Parece que o estupro é um crime de pobre. Mas, na verdade, as classes mais altas não denunciam", diz Jefferson Drezett, do Centro de Referência da Saúde da Mulher.
A responsável pela 8ª Delegacia de Defesa da Mulher (São Mateus, zona leste de São Paulo), Márcia Salgado, concorda. Como geralmente o estuprador tem um perfil semelhante ao da vítima, a falta de denúncia acaba favorecendo os agressores de classe média. Mas os casos já começam a aparecer nas delegacias da mulher.
Márcia cita o exemplo de um engenheiro que abordava as vítimas de carro, simulava um sequestro, vendava as meninas e as estuprava no seu escritório em São Paulo. O ataque sempre ocorria em Santo André. Até que uma delas conseguiu chamar a polícia. Casado, com dois filhos, ele negou. Só foi preso porque outras meninas também fizeram o reconhecimento.
No Centro de Referência, os casos de classe média são 9% do total. "Temos dentistas, advogadas e professoras que são exceções, mas que procuraram a gente porque não encontraram em outros locais um tratamento global do problema", afirma Drezett.
A maioria, no entanto, prefere a discrição dos consultórios médicos particulares. O psiquiatra Hélio Martins Filho tem três pacientes vítimas de estupro. Duas estupradas por pessoas desconhecidas e a terceira, por um primo. Apenas uma delas foi à polícia.
"Mas ela foi repreendida pela família, que achava que ela não deveria se expor", afirma Martins Filho. Moradora dos Jardins (bairro de classe média), ela foi abordada na rua e estuprada em uma casa abandonada. Reagiu e apanhou.
Nos outros dois casos, o caso não saiu do consultório. Um é de uma adolescente de classe média alta que foi estuprada em uma festa pelo primo. "A família dessa menina me disse que "polícia era coisa para pobre'", conta.
O outro é de uma advogada que foi estuprada na saída de uma festa, mas não contou nem para a família. "Ela só contou para uma amiga, que me indicou. Chegou ao meu consultório dez dias depois do estupro. Eu fui uma espécie de confidente. O que me surpreendeu nesse caso é que a vergonha que ela sentiu foi maior até que a preocupação com a própria saúde." (LUCIA MARTINS)


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