São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

Próximo Texto | Índice

SEGURANÇA

Dupla sertaneja, que teve um irmão seqüestrado há seis anos, tem opiniões diferentes sobre voto do dia 23

Referendo divide os 2 filhos de Francisco

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Zezé Di Camargo e Luciano, em lados opostos


LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

O referendo do próximo dia 23 conseguiu um prodígio: colocar os inseparáveis dois filhos de Francisco, Zezé Di Camargo e Luciano, em campos opostos. Zezé votará "não"; e Luciano, "sim". Em outras palavras: Luciano apóia a proibição da venda de armas de fogo; e Zezé é contra.
Há seis anos, um dos irmãos da dupla, Wellington Camargo, foi vítima de um dos mais longos e violentos seqüestros da história criminal brasileira. Foram 94 dias de cativeiro pontuados por terror.
Paraplégico desde os dois anos em decorrência de poliomielite, Wellington foi arrancado de sua casa em Goiânia (GO) no dia 16 de dezembro de 1998 por três homens armados com metralhadoras, pistolas e revólveres.

Provas de vida
Os seqüestradores enviaram à família cinco provas de vida. Uma delas trazia o retrato de Wellington com o cano de um fuzil AR-15 enfiado na boca. Atrás da foto, a data manuscrita e a assinatura do irmão de Zezé. Uma outra prova foi ainda mais cruel - dois terços da orelha esquerda do rapaz, cortados a faca e sem anestesia, acompanhados de um novo bilhete, desta vez com ameaças.
Mais sofrimento com o seqüestro é o próprio Wellington quem rememora: "Sem a cadeira de rodas, fiquei os 94 dias deitado. Uma vez me obrigaram a ficar 18 horas deitado em uma só posição, virado para a parede, sem poder me mexer -me dava dores terríveis pelo corpo todo".
A libertação aconteceu na madrugada de 21 de março, dia do 28º aniversário de Wellington, depois de a família pagar U$ 300 mil (R$ 750 mil, em valores atuais). Dopado, o seqüestrado foi deixado em um buraco com 1,5 metro de profundidade, a cem metros de uma estrada.
Tonto e desorientado, Wellington precisou de tempo até que o efeito da droga cedesse. Por volta das 8h30, ele reuniu forças para rastejar até a estrada (o que lhe custou arranhões por todo o corpo), onde foi encontrado por um motociclista e levado ao hospital.
Segundo o boletim médico, Wellington estava magro, com tremores nas mãos e pernas, pressão arterial elevada, um quadro infeccioso na orelha cortada e dores musculares generalizadas.
Hoje com 34 anos, pai de duas crianças, deputado estadual pelo PMDB de Goiás e orelha refeita graças a várias plásticas, Wellington ainda canta e compõe. Só anda em carros blindados, acompanhado por seguranças armados.
É pelo "não" no referendo: "As causas da violência são o combate ineficaz ao tráfico de drogas, a má distribuição de renda, o sistema prisional, que não recupera ninguém -e não o cidadão de bem que só quer se proteger".
Na quinta-feira, Zezé Di Camargo e Luciano ensaiavam quando receberam a notícia de que o filme sobre suas vidas, "2 Filhos de Francisco", batera a marca dos 4 milhões de espectadores pagantes. Riam e contavam piadas. A gravidade só veio quando, em entrevista exclusiva à Folha, rememoraram a dor da família durante o seqüestro de Wellington. A reflexão sobre essa passagem e os motivos do voto de cada um no referendo seguem abaixo.


Próximo Texto: Eu voto não: Zezé diz que é contra impedir acesso a armas e que referendo é forma de o governo camuflar falta de segurança
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.